Crivella passará, o carnaval fica

Corte provocará demissão de quase 50 mil serralheiros, laminadores, ferreiros, costureiras, bordadeiras, coreógrafos, designers, pintores, entre tantos outros profissionais

POR LUIZ CARLOS PRESTES FILHO, do O Globo

‘Que lucra o povo com o carnaval? É lamentável erro estimular em nome do poder público, e à custa de seus cofres, as mais reprováveis manifestações de incultura, licença, luxúria e corrupção, vividas no carnaval. Todos conhecem o grande número de crimes contra a honra, contra os costumes e contra a vida que, infelizmente, se verificam durante as festas carnavalescas”.

As palavras acima perecem ser do prefeito Marcelo Crivella. Não são. Foi o vereador paulistano Camilo Aschar que proferiu as mesmas em 31 de janeiro de 1949. Mas bem que o atual mandatário do Rio de Janeiro poderia copiar e colar este texto para justificar a sua decisão de romper com a tradição de apoio ao carnaval carioca, estabelecida pelo poder público desde 1935, ano em que o prefeito Pedro Ernesto oficializou os desfiles das escolas de samba.

O carnaval de 2017 foi o primeiro em que o poder municipal não entregou as chaves da cidade para o Rei Momo e não contou com a presença do prefeito na abertura dos desfiles das escolas de samba. Agora, ele anuncia que realizará cortes de 50% nos investimentos elementares do evento que mais atrai turistas para uma cidade no mundo. Sim, o carnaval — comparativamente — é maior do que a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos.

Por que o prefeito entra em confronto aberto com 94 escolas de samba, que levam cem mil artistas populares para desfilar na Marquês de Sapucaí, Centro, e na Estrada Intendente Magalhães, em Campinho? Será que já não basta o abandono em que vivem essas comunidades que não contam com centros culturais, museus, livrarias, salas de teatro e cinemas? Agora, a prefeitura inicia uma cruzada para eliminar as quadras das escolas de samba, que têm nos desfiles carnavalescos o motor motivador das suas atividades. São nas quadras que acontecem batizados, festas de 15 anos, casamentos, cursos profissionalizantes, atividades religiosas e esportivas, cursos de dança e canto — sem falar das reuniões de mobilização das próprias comunidades.

Com certeza, ao realizar o corte anunciado, o prefeito estará diminuindo a potência do atendimento à população excluída. O dinheiro economizado nunca será suficiente para resolver o passivo de investimentos da Secretaria municipal de Educação. Esta afirmação é pura retórica. A festa carioca gera 200 mil empregos diretos e indiretos, conforme o estudo “Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval”, que coordenei em parceria com o Sebrae e a Associação Comercial do Rio de Janeiro. O corte anunciado provocará a demissão de quase 50 mil serralheiros, laminadores, ferreiros, costureiras, bordadeiras, coreógrafos, designers, pintores, entre tantos outros profissionais que trabalham nos barracões onde produzem fantasias e carros alegóricos.

O professor Carlos Lessa, que já foi reitor da UFRJ e presidente do BNDES, reconhece na gestão social do carnaval algo espetacular. Pois esta, além de levar para os desfiles milhares de excluídos socialmente, demonstra que o povo estruturou sua própria forma de organização. Ao constatar que nenhum partido político, associação ou sindicato o representa, assim como — também — nenhum governo municipal, estadual ou federal, o povo criou sua própria forma de manifestação dos seus sonhos, desejos e realizações.

Penso que o povo excluído está certo. Pois Crivella passará, mas o carnaval fica.

Luiz Carlos Prestes Filho é economista

 

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