Da pobreza para a universidade

por Gabriel Bonis

Da infância no interior de Alagoas, Cleiton Pereira da Silva, de 27 anos, ainda carrega recordações de uma vida difícil. Após a escola, as diversas viagens ao açude sob o sol escaldante do sertão eram rotina. Para encher o reservatório da casa de água, trazia consigo um carrinho de mão repleto de baldes. A seca tornava a realidade ainda mais dura, assim como alimentar as seis pessoas da família com apenas um salário mínimo e a plantação de milho e feijão em uma região árida.

As cenas gravadas na memória de Cleiton representam a vida de milhares de outros brasileiros pobres e famintos, principalmente, no nordeste do Brasil. A morte do pai quando ainda criança completou o cenário de adversidades e forçou a mãe a buscar o sustento da família em São Paulo. Mesmo assim, as dificuldades não diminuíram para ele, a irmã, a tia e os avós.

A perspectiva de uma vida melhor surgiu apenas quando a família se tornou beneficiária do programa Bolsa Família, em 2003. À época recebiam 68 reais. “Para muitas famílias que não possuem nada, esse dinheiro é uma fortuna. Não dá para viver apenas disso, mas te ajuda a procurar outros rumos, como pagar a condução para procurar um trabalho”, conta o jovem, que há dois anos deixou voluntariamente de receber o auxílio quando sua renda aumentou.

Desde que foi lançado, há cerca de oito anos, o Bolsa Família ajudou a retirar cerca de 30 milhões de brasileiros da pobreza absoluta. E jovens como Cleiton fizeram com o que o programa superasse uma série de previsões simplificadoras, como a de que estimularia seus beneficiários a manterem-se desempregados para receber ajuda estatal. Conforme mostra a segunda rodada de Avaliação de Impacto do programa, realizada pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) com 11.433 famílias, beneficiárias ou não, em 2009, isso não ocorreu.

Ao considerar uma faixa de 18 a 55 anos de idade, a parcela de pessoas ocupadas ou procurando trabalho em 2009 era de 65,3% entre os beneficiários e 70,7% para os indivíduos fora do programa. Analisando pessoas entre 30 e 55 anos, a porcentagem é de cerca de 70% para ambos os grupos. O índice de desemprego também é semelhante nos dois grupos.

Cleiton superou a pobreza para fazer o caminho inverso: passou de beneficiário a gestor do programa em Minador do Negrão, em Alagoas. Hoje, a família vive com uma receita de dois salários mínimos. Parte dela investida na educação do jovem, estudante do segundo ano de História na Universidade Estadual de Alagoas. “Pretendo me formar, ascender na vida e ter uma profissão. O meu sonho é poder continuar a fazer algo por quem precisa.” Mas para chegar a esse quadro, o auxílio de 68 reais foi fundamental para permitir que a família se alimentasse melhor e que as crianças continuassem na escola.

Os dados mais recentes, de setembro de 2011, indicam que cerca de cinco milhões de famílias deixaram de receber o benefício desde sua criação. Os principais motivos para esses desligamentos foram a falta de atualização cadastral e a renda informada pelo beneficiário acima do permitido, o que ocorre em 1/3 dos casos. Mas, segundo o MDS, desde 2010 a família pode registrar uma alteração de rendimentos desde que dentro do padrão de até ½ salário mínimo para continuar no programa por mais dois anos.

Uma medida adotada porque essa população trabalha com um rendimento instável no mercado informal. “As famílias precisam saber que podem contar com o programa, pois, segundo estudos, o seu rendimento em um mês pode variar de um salário mínimo para 100 reais” explica Leticia Bartholo, secretária nacional adjunta de Renda e Cidadania do MDS.

No segundo semestre de 2011, também foi criado o mecanismo do desligamento voluntário com retorno garantido. A ação visa impulsionar as famílias que acreditam possuir condições de deixar o programa a comunicarem as autoridades que não precisam mais do benefício. Elas podem, porém, voltar a receber caso sua situação piore. “Essa regra permite que se arrisquem no seu engajamento produtivo com um colchão de segurança de renda.”

O recebimento dos repasses do Bolsa Família varia de 32 a 306 reais mensais, segundo critérios como a renda mensal per capita da família e o número de crianças e adolescentes de até 17 anos. O programa, que tem orçamento de 20 bilhões de reais para 2012 – cerca de 0,5% do PIB – e atende mais de 13 milhões de famílias no País-, está condicionado ao cumprimento de diversos fatores pelos beneficiários. Entre eles, a frequência mínima de 85% às aulas para crianças de 6 a 15 anos e 75% para jovens de 16 e 17 anos. Em 2011, 95,52% dos beneficiários cumpriram a cota mínima de presença exigida.

E foram além. No ensino médio público, alcançaram em 2010 o nível de aprovação de 80,8% contra 75,1% da média. A evasão escolar também foi baxia: 7,2% para os beneficiários e 11,5% na média.

O caminho da educação foi trilhado por Cleiton e faz parte dos planos do MDS para os demais auxiliados pelo programa. Em parceria com outra ações do governo, o ministério tem programas para qualificar beneficiários maiores de 18 anos para trabalhar em obras do PAC, por exemplo, por meio de vagas do Sistema Nacional de Emprego (SINE). O PlanSeQ Bolsa Família é uma tentativa de traçar uma ligação entre o auxílio social e o mercado de trabalho, tentando atender à demanda de mão-de-obra qualificada para as vagas criadas pelo crescimento econômico e para as necessidades regionais. Entre os cursos oferecidos estão os de azulejista, pintor e carpinteiro.

Cleiton pulou essa etapa, mas ainda não superou todas as barreiras para vencer a pobreza: a faculdade fica a 40 minutos da cidade onde mora. “Chego tarde e trabalho cedo, mas nada substitui a vontade de vencer.”

Fonte: Carta Capital

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