Da rede pública à particular, cesarianas quase triplicam no Rio

Mães com planos de saúde vão a hospital do município para tentar parto normal

POR FERNANDA DA ESCÓSSIA, do  O Globo   Foto: Antonio Scorza / O Globo

RIO – Quando começou a acompanhar uma amiga ao obstetra, Andrea Peil ouviu o que ele cobraria pelo parto, caso fosse normal: R$ 18 mil. Ao engravidar, meses depois, mesmo tendo plano de saúde, Andrea não teve dúvidas de que queria parto normal, mas sem pagar tanto. A advogada Genilma Salles, grávida pela primeira vez aos 40 anos, ouviu dos médicos de seu plano que o parto normal seria muito difícil. Para as duas, a opção foi a mesma: buscar a rede pública.

Se o assunto é desigualdade na hora do nascimento, a realização de cesarianas é um bom retrato da cidade do Rio. Na rede particular, 92,7% dos bebês deixaram a barriga da mãe graças à cirurgia. Na rede pública, a taxa fica em 35,6% nos hospitais municipais e 32,5% nos estaduais, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde para o ano de 2012.

Em toda a cidade, a taxa de cesarianas em 2013 foi de 57,04%. Mas, na Rocinha, só 36,36% dos bebês nasceram por cesarianas, enquanto em Botafogo a proporção foi de 74,74%, mostra a análise da ONG Rio Como Vamos para os dados da Secretaria Municipal de Saúde em 2013. Num caminho inverso ao de outros indicadores, como acesso ao pré-natal e gravidez adolescente, a mais alta taxa de cesarianas aparece nas áreas com melhores condições socioeconômicas.

Genilma Salles com o marido e o filho Bernardo, na maternidade Maria Amélia - Arquivo pessoal / Arquivo pessoal .
Genilma Salles com o marido e o filho Bernardo, na maternidade Maria Amélia – Arquivo pessoal / Arquivo pessoal 

Nas áreas pobres e na rede pública, o parto normal é mais estimulado. Na rede privada, a opção pela cesariana, seja de médicos ou pacientes, vem sendo quase automática, alerta Silvana Granado, uma das coordenadoras da pesquisa “Nascer no Brasil”, realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública. O Brasil é hoje campeão mundial em cesarianas, utilizadas em 56% dos partos em 2012. A taxa cai na rede pública para 44,5% e sobe na rede privada para 89,4%. A Organização Mundial da Saúde preconiza 15%.

APOIO AO PARTO ATIVO

Num movimento novo, mas persistente no Rio, mulheres de classe média ou mais alternativas, mesmo com acesso ao plano de saúde, têm buscado a rede pública para tentar um parto normal. E o destino delas é o Hospital Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no centro do Rio. Parir na Maria Amélia, como é chamado o hospital que homenageia a mãe de Chico Buarque, virou opção para quem quer tentar o parto normal, com todas as dores, mas também vantagens, que ele traz.

Usuária da Unimed, a advogada Genilma Salles chegou à Maria Amélia, onde teve Bernardo, depois de passar pelo Ishtar, grupo de apoio ao chamado parto ativo (que reduz a quantidade de intervenções médicas). Não se arrependeu.

_ Fiz todo o pré-natal pelo plano de saúde. Percebi que não me estimulavam a fazer o parto normal, por causa da idade. Mas eu sou magra, não fumo, não bebo, fazia pilates. Não me conformava em obrigatoriamente fazer cesariana _ conta ela.

Foi o mesmo caminho da empresária Aline Siciliano, de 39 anos, moradora de Teresópolis. Aline passou por quatro obstetras do plano no pré-natal e optou por uma médica particular no Rio, mas seu plano Unimed só bancaria o hospital se o parto fosse nas cidades serranas.

Andrea Peil com a filha Gabriella, nascida na Maternidade Maria Amélia - Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal
Andrea Peil com a filha Gabriella, nascida na Maternidade Maria Amélia – Arquivo Pessoal / Arquivo Pessoal

Ela teve Maria Clara na Maria Amélia, de parto normal. Não se incomodou em ficar na enfermaria — cada uma tem lugar para quatro mulheres com seus acompanhantes, além dos bebês. O hospital não tem berçário. O bebê fica sempre com a mãe, a não ser em casos específicos, em que precisa passar pela UTI neonatal.

A bióloga Ana Lúcia Baptista, doula (profissional que auxilia mulheres na hora do parto) há dez anos e integrante do Ishtar, diz que o grupo estimula a busca de evidências científicas sobre as vantagens do parto normal. Segundo ela, quando a mulher se informa, perde o medo e desiste da cesariana.

Para Andrea Peil, de 34 anos, optar pelo parto normal na rede pública foi opção política, como forma de usar um serviço que o cidadão financia com os impostos. Ela tem o plano do Exército, mas fez o pré-natal e o parto de Gabriela na Maria Amélia e aprovou.

— A gente não tem que pagar nem para nascer nem para morrer. Foi opção política e não me arrependo — diz ela.

HOSPITAL MARIA AMÉLIA É REFERÊNCIA

Na Maria Amélia, o índice de cesarianas é de 28%%, informa o diretor técnico, Wallace Mendes. Como a unidade é de referência, atende todo tipo de paciente. Todas são convidadas a visitar a maternidade e assistir a palestras sobre o parto. As participantes do projeto Cegonha Carioca, criado em 2011 para elevar os índices de pré-natal e humanizar o atendimento, recebem um kit de roupas e têm direito a acionar uma ambulância na hora do parto. Segundo a Secretaria de Saúde, 130 mil mães foram beneficiadas.

Aline Siciliano com o marido Bruno Gargiulo e a filha, a menina também nasceu na maternidade pública Maria Amélia, pois a mãe queria fugir da cesariana - Arquivo pessoal / Arquivo pessoal
Aline Siciliano com o marido Bruno Gargiulo e a filha, a menina também nasceu na maternidade pública Maria Amélia, pois a mãe queria fugir da cesariana – Arquivo pessoal / Arquivo pessoal

No ano passado, a maternidade Maria Amélia se envolveu numa polêmica após a morte de cinco bebês. As famílias culparam o hospital e a demora em fazer cesariana. O diretor técnico, Wallace Mendes, diz que os casos foram isolados entre os 4.995 partos de 2013:

— A cesariana é necessária às vezes, salva mães e bebês, e fazemos. Se a mãe insistir, faremos. Mas muitas mães já querem cesariana porque têm medo. Quando se informam perdem o medo. Parto normal é mais saudável para a mulher e o bebê, pois reduz infecções.

O presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Rio de Janeiro (Sgorj), Marcelo Burlá, considera inaceitável a taxa de 93% de cesarianas na rede particular do Rio, mas diz que a taxa de 15% preconizada pela OMS está desatualizada, pois é de 1985. Ele afirma que os médicos são normalmente os primeiros acusados pelo alto índice de cesarianas, mas que a questão é complexa, pois em geral os profissionais são mal remunerados pelos planos. Segundo Burlá, o médico recebe de R$ 400 a R$ 800 por um trabalho de parto que pode durar 12 horas:

— É aviltante. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) deveria fazer os planos de saúde pagarem mais. Com médico particular não há dificuldade.

Em meio à polêmica, a doula Ana Lúcia Baptista, o presidente da Sgorj e o diretor da maternidade Maria Amélia concordam num ponto: a mulher tem direito de se informar sobre riscos e vantagens de cada tipo de parto, normal ou cesariana, para escolher como quer dar à luz, desde que não ponha em risco a saúde da criança nem a sua própria.

ANS BUSCA REDUZIR NÚMERO DE CESARIANAS DESNECESSÁRIAS

Em nota, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ressalta que faz um trabalho contínuo para a promoção do parto normal e a redução do número de cesarianas desnecessárias. Desde 2004, já realizou uma série de iniciativas, entre as quais a inclusão de cobertura obrigatória para parto acompanhado por enfermeira obstétrica e acompanhante – sem custos adicionais – durante pré-parto, parto e pós-parto imediato. “Em 2014, além da realização de uma consulta pública para edição de novas normas, a ANS elaborou e está coordenando a implantação de um projeto-piloto para mudança do modelo de atenção ao parto, baseado nas melhores evidências científicas disponíveis em parceria com o hospital israelita Albert Einstein, o Ministério da Saúde e o Institute for Healthcare Iprovement. Quanto ao pagamento pelos procedimentos, cabe esclarecer que a remuneração dos profissionais que prestam atendimento a consumidores e consumidoras de planos de saúde é definida diretamente com a operadora que o contratou. Ou seja, é uma relação contratual estabelecida entre as duas partes”, diz a nota.

+ sobre o tema

Outubro Rosa: desafios na luta contra o câncer de mama em mulheres idosas

No cenário da campanha Outubro Rosa, que tem como...

Estudo indica que DSTs atingem mais os homens negros no Brasil

Fonte: Diário de Pernambuco - O total de homens negros...

Dennis de Oliveira: O plebiscito, os médicos e a contradição entre Casa Grande e Senzala

A presidenta Dilma Rousseff buscou retomar a iniciativa política...

Promotoras Legais Populares do Geledés recebem netos de Nelson Mandela em atividade de prevenção a AIDS

   Por: Nilza Iraci Fotos: Renato Oliveira As Promotoras Legais Populares do...

para lembrar

Mulheres recorrem ao SUS para ter parto normal

Em busca de um procedimento mais humanizado na hora...

Violência obstétrica: por que as mulheres ficam sozinhas no parto?

A lei do acompanhante antes durante e depois do...

Ministério Público Federal cobra diminuição de partos por cesariana no Brasil

Instituição entrou com ação na Justiça para que a...

Sem leito de UTI, adolescente morre após 17 horas em trabalho de parto

Jovem de 15 anos sofreu convulsões e atestado aponta...
spot_imgspot_img

Da maternidade que desejamos a que alcançamos, desde que humanizada.

Sim, eu tinha escolha em parir nos melhores hospitais em São Paulo, contratar as melhores equipes médicas. Na minha trigésima semana, de tanto tentaram...

Violência obstétrica: é preciso falar mais sobre esse assunto

Você sabe o significado das palavras violência e obstetrícia isoladamente? Violência: ação ou efeito de empregar força física ou intimidação moral contra; ato violento....

Cesarianas desnecessárias refletem baixo nível de conscientização das mulheres

O medo da dor no parto vaginal e possíveis danos ao corpo da mãe levam a um aumento no número de cesáreas no País Do...
-+=