De que adianta conhecimento acadêmico se não dialoga com o negro periférico?

Foto: Inês Bonduki/UOL

Malcolm X descobriu a linguagem que se comunicava de um modo geral, de professor universitário a varredor de chão, tudo ao mesmo tempo, sem diminuir o intelecto de qualquer um deles.” John Henrik Clarke

O papo é reto e sem firulas. Não discutirei exceções. Há muitas coisas engasgadas que precisam ser ditas. Neste texto, reside a opinião de um homem negro que atuou como líder comunitário, durante a década de 90 e início dos anos 2000. Na periferia da zona leste de São Paulo, lutei por direitos sociais e acompanhei as mazelas de inúmeros periféricos. Isso posto, digo: estou cansado dos discursos de negros que estão nos ambientes acadêmicos e usam as questões raciais como material de estudo. Não desconsidero a importância das pesquisas desenvolvidas, mas questiono a falta de projetos para os negros que moram nas periferias.

Os discursos são cheios de elegância e quem ouve até acredita que a população negra está alinhada no mesmo propósito. Nem imagina que os periféricos desconhecem as discussões praticadas pelos acadêmicos. Enquanto o termo “racismo estrutural” tornou-se conceito da moda, a ponto de estar em processo de banalização, na periferia o racismo ainda é tratado como questão moral (ofensas e xingamentos). Estamos em outra realidade.

Refletindo de maneira analítica, há uma carência de organizações e movimentos negros espalhados pelas periferias do país. Isso reflete na ausência de experiências concretas para a difusão da cultura negra. Daí, pergunto: onde estão os acadêmicos construindo as bases de organização de luta e ampliando a consciência negra?

Na história da diáspora africana, as conquistas aconteceram quando os negros despertaram da condição de submissão e se uniram na luta contra os algozes, compreendendo a identidade dentro das relações sociais. Nesse sentido, destaco a reflexão do sociólogo Clóvis Moura (1988)

Numa sociedade em que os elementos detentores do poder se julgam brancos e defendem um processo de branqueamento progressivo e ilusório, o negro somente poderá sobreviver social e culturalmente sem se marginalizar totalmente, agrupando-se como fez durante o tempo em que existiu a escravidão, para defender a sua condição humana.

E, na dinâmica do individualismo acadêmico, as questões raciais são transformadas em instrumentos que atraem benefícios materiais e simbólicos (publicações, palestras, entrevistas etc). Aos periféricos, resta somente o ônus do sofrimento. Ademais, os acadêmicos se distanciam da periferia em diferentes camadas, que se somam a ausência de projetos. Por exemplo, a linguagem, que se tornou um marcador de distinção e hierarquização. Eles não economizam jargões e conceitos técnicos para exporem os pensamentos, seja nas redes sociais ou nos artigos que publicam, dificultando a compreensão de quem é produto de uma educação precária.

Em virtude disso, aqueles que constroem privilégios em cima das nossas dores, sem ter como horizonte uma luta coletiva, não merecem credibilidade. É fundamental abrir mão da individualidade, e assumir a consciência negra definida como “a percepção pelo homem negro da necessidade de juntar forças com seus irmãos em torno da causa de sua atuação – a negritude de sua pele – e de agir como um grupo, a fim de se libertarem das correntes que os prendem em uma servidão perpétua”. (BIKO, 1976).

Portanto, convoquemos os negros acadêmicos a saírem das “bolhas” para colocarem a teoria em diálogo com a prática. Ademais, encerro com a reflexão da filósofa Angela Davis (2018) que nos ajuda a repensar a importância em caminhar coletivamente: Não sei se eu teria sobrevivido caso os movimentos não tivessem sobrevivido, caso as comunidades de resistência, as comunidades de luta não tivessem sobrevivido. Então, o que quer que eu faça, sempre me sinto diretamente conectada a elas – e acho que esta é uma época em que temos de encorajar a noção de comunidade, especialmente em um momento em que o neoliberalismo tenta obrigar as pessoas a pensar em si mesmas apenas em termos individuais, não em termos coletivos. É nas coletividades que encontramos provisões de esperança e de otimismo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAVIS, A. A liberdade é uma luta constante. Organização de Frank Barat e tradução de Heci regina Candiani. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.

BIKO, Steve. Escrevo o que eu quero. São Paulo. São Paulo: Ed. Ática, 1990

MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Ática, 1988. Série Fundamentos.

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