De vestido e salto alto, aluno gay do ITA protesta na formatura em S. José

Ele diz ter sido vítima de homofobia na instituição por sua orientação sexual.
Talles, de 24 anos, se formou engenheiro no último dia 17.

Fonte: G1

Poliana Casemiro

Um formando do curso de engenharia do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA) em São José dos Campos (SP), uma das instituições mais renomadas do país, fez um protesto durante a solenidade de colação de grau no último sábado (17). Talles de Oliveira Faria, de 24 anos, é homossexual e recebeu o diploma trajando roupas femininas estampadas com palavras de protesto. Ele diz ter sido vítima de homofobia dentro da instituição. O ITA nega que discrimine alunos por sua orientação sexual.

Talles se formou em engenharia da computação e diz ter sido forçado a deixar a Força Aérea por sua orientação sexual -os alunos optam pela carreira militar ou civil durante o curso no ITA. O jovem tinha escolhido a carreira militar, mas diz que foi obrigado a desistir por ter ‘tom moral e profissional incompatíveis com a ética militar’. O engenheiro foi alvo de uma sindicância em 2015.

Durante a formatura, ele exibiu nos trajes palavras de protesto que chamavam a instituição de machista, elitista e meritocrática.

Ele conta que sua orientação sexual nunca foi segredo para a família e que decidiu expor que é gay ao entrar no ITA. “Acreditava estar em um ambiente acadêmico e, portanto, de diálogo [onde não haveria problemas]”, comentou. Ele relata que a decisão de assumir a sexualidade o afetou durante a permanência na instituição.

Ato contra homofobia
Ele diz que foi forçado a pedir dispensa da carreira militar após ser flagrado em trajes femininos. Segundo Talles, ele teria participado de um ato no dia 18 de maio do ano passado, para celebrar o dia nacional contra a homofobia – a manifestação foi em uma zona militar, dentro das dependência do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), onde fica o ITA.

No dia, ele se vestiu de mulher e participou de uma passeata organizada pelo Agita –grupo que representa o grupo LGBT dentro do instituto. Depois disso, conta que foi alvo de uma sindicância, que terminou com com a dispensa militar.

Por causa da sanção, ele disse que decidiu ir à formatura em trajes femininos. Ao ser chamado para buscar o diploma, ele retirou a beca e exibiu um vestido vermelho, rosto maquiado e salto alto. No vestido, ele trazia as inscrições “Ita – Excelência em: homofobia, machismo, elitismo e falsa meritocracia”. A ação rendeu vídeos e repercutiu na web.

“A minha orientação sexual não me impediu de me formar na melhor instituição do país, ela não me faz diferente de ninguém. Eu saio daqui fortalecido por tudo que eu passei. Sei que fiz o que deveria ter feito e não me omiti da injustiça social”, avaliou.

Punição
Na sindicância aberta para apurar a conduta de Talles no ato contra homofobia, o Comaer ainda o acusou de violência a símbolos religiosos, por compartilhar memes com a figura de Jesus no Facebook. Ao todo, eram cerca de seis apontamentos sobre a conduta, que poderiam expulsá-lo do militarismo e, em consequência, do próprio ITA – ele foi poupado do último.

Talles buscou advogados na época do ocorrido, mas diz que preferiu abrir mão da força militar, com a condição de permanecer no ITA, já que estava no último ano da graduação. Ele entregou um pedido de dispensa ao comando no dia 27 de abril deste ano – ele reafirma que foi obrigado a tomar essa decisão.

“Fui surpreendido ao ser punido por publicações pessoais, sem relação alguma com a instituição. As sanções todas poderiam me expulsar da força militar e, em consequência, do próprio instituto. Para não perder a graduação eu aceitei a segunda orientação, a de pedir minha dispensa por ‘razões pessoais’”, disse.

Aluno alega ter sofrido retaliação por orientação sexual dentro da instituição

Talles explica que a ‘saída’ da carreira militar foi a mais extrema da instituição, mas que durante os cinco anos da graduação passou por outros episódios de constrangimento. Ele diz que foi preso por quatro dias por usar cabelos descoloridos. Em outra ocasião, ele permaneceu mais quatro dias preso por uso de blush. Todas as punições foram aplicadas após notificações de oficiais da Força Militar.

“Em nenhum momento os oficiais me condenaram por minha orientação e posição, mas em todo o tempo eles usavam minha forma de ser para aplicar sanções. Mulheres tinham luzes no cabelo e usavam maquiagem, mas não eram punidas, por exemplo. Uma coisa é ter homofobia descarada, mas o que acontece na aeronáutica ocorre de forma forte e indireta”, contou Talles.

Outro lado
O Comaer informou, por email, que nas formaturas do ITA apenas os alunos militares têm uniforme definido, sendo previsto para formandos civis apenas o traje de passeio – portanto, a vestimenta de Talles não é passível de punição.

O comando destacou que o ITA não questiona nem registra a orientação sexual de seus alunos e formandos. “O ITA não discrimina alunos por sua orientação sexual, gênero, condição social, credo ou raça. A reitoria repudia qualquer ato de homofobia ou discriminação”, diz a resposta enviada à reportagem do G1 na manhã desta terça.

Mais tarde, em nota enviada à reportagem às 18h50 desta terça, o ITA destacou  que alunos militares são subordinado à regras específicas e que as transgressões cometidas pelo aluno são passíveis de punição e se aplicariam a qualquer militar.

A instituição apontou conduta inadequada do ex-aluno nas redes sociais, com desrespeito a símbolos nacionais e citações que relacionam a Instituição a assuntos político-partidários, sexuais e religiosos. No entanto, o Comaer diz que Talles não sofreu punição por este motivo.

“Relembramos que a carreira militar é composta de prerrogativas, direitos, deveres e obrigações, desta forma, todos os militares são submetidos às regras que conduzem sua rotina e sua conduta. O engenheiro Talles era consciente de seus deveres e também de seus direitos, no entanto, apesar de gozar de seus benefícios, não cumpriu plenamente seus deveres como militar da Força Aérea Brasileira”, concluiu.

Sobre a alegação do ex-aluno, de que teria sido ´pressionado a deixar a carreira militar, a instituição defende que foi uma decisão unilateral de Talles. “Com a intenção de permanecer cursando o ITA uma vez que as diversas transgressões disciplinares que cometeu levariam a um comprometimento de sua avaliação como militar”, diz a nota.

Dentre tais transgressões, o comando cita que estão a apresentação do uniforme em desalinho e a não utilização correta do uniforme.

A nota conclui informando que Talles tenta realizar mestrado no ITA e que isso comprovaria que ele considera a instituição um ambiente satisfatório. Sobre a acusação de monitoramento de mídias sociais, o Comaer garante que não há uma busca ativa pelos perfis dos alunos.

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