De volta para África, só como turista!

por Sérgio Martins

 

A atendente Maria Serafim dos Reis foi a primeira vítima do desabafo dos racistas, após a aprovação da constitucionalidade das cotas pelo STF. O médico expos o que muitos gostariam de falar para negros e negras: voltem para África, onde é seu lugar! O continente africano é muito exuberante, e claro que temos uma ligação afetiva e religiosa para os adeptos dos cultos afro-brasileiros, devemos visita-la, sempre quando for possível. Lembro-me ainda, dos corais populares nas ruas da Cidade do Cabo, na África do Sul, inesquecível a diversidade de ritmos.

Mas o que há por traz da fala do médico? Poderíamos tecer várias direções de análises em diversos ramos do conhecimento humano. Porém, fico centrado na fala do ofensor quando relega a jovem, à condição de cuidadora de orangotangos na África. Ora, é claro que Maria Serafim poderia ser uma profissional que tratasse de animais em qualquer lugar do mundo, um trabalho digno, como outro qualquer.

No entanto, o racista retira da vítima a condição humana e histórica, aprisionando-a em um mundo imaginário perverso. Claro que é desagradável chegar a uma programação atrasado, porém é anormal fazer xingamento ao atendente, que nada tem haver com nosso infortúnio.

Na verdade arrisco a dizer que o ofensor equipara a atendente a um animal, daí estaria ela, fora dos padrões de civilidade. Veja que ele ofende a atendente ao receber um limite em sua conduta insana, desqualificando-a em razão de sua condição de afrodescendente. Em resumo: “Você não é humana suficiente para limitar minha conduta abusiva, volte para África, que é seu lugar”.

Este lugar comum presente na fala do médico se repete no tratamento policial, na seleção de emprego, na definição dos laços de amizade e redes sociais. Significa um “não acesso” aos espaços de interlocuções nas relações interpessoais. Para terminar me deixar contar uma passagem. Logo ontem, um empresário do ramo de transportes de cargas perigosas no Rio de Janeiro relatava o comentário de um alto executivo de outra grande empresa de petróleo, ao indagar sobre minha presença na reunião: quem é esse neguinho, o que ele está fazendo aqui? Certamente, frustrava o executivo branco, o fato de que eu não estava servindo café, nem abrindo o elevador ou tomando conta da porta de sua empresa. Estávamos questionando a responsabilidade social da empresa nas relações de terceirização da mão-de-obra.

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