Declaração da Sociedade Civil contra o Racismo em defesa das políticas de Ação Afirmativa

Getty Images

 

Encontram-se para análise e deliberação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania – CCJ do Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nr. 180 de 2008, de autoria da deputada Nice Lobão com parecer favorável da relatora senadora Serys Slhessarenko. O projeto dispõe sobre sistema de cotas para ingresso nas universidades federais e estaduais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. Trata-se de um debate necessário, no qual a sociedade brasileira espera que o Senado tenha o discernimento necessário para reafirmar escolhas históricas que o Brasil começou e precisa continuar a fazer.

As cotas no acesso ao ensino superior começaram a ser implantadas no Brasil a partir de 2001, tendo a UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) como a primeira universidade a implantar este sistema no seu exame vestibular. Desde então dezenas de outras universidades públicas e privadas alteraram seus exames seletivos para incorporar os critérios raciais – na maioria dos casos combinados com critérios de renda – no acesso à universidade, permitindo incorporar efetivamente um maior número de estudantes negros ao ensino superior.

Em 2004 foi a vez de o governo federal dar início a um grande programa de inclusão de estudantes negros ao ensino superior, através da criação do PROUNI (Programa Universidade para Todos), que concede bolsas de estudo a alunos negros, indígenas e de menor renda – entre outros grupos – que ingressem em instituições de ensino superior privadas. O PROUNI representa de fato uma inclusão numérica significativa de estudantes que há algum tempo atrás talvez nem considerassem a possibilidade de ingressar no ensino superior.

Levando em conta esta variedade de iniciativas de inclusão no ensino superior já existentes no país, já é possível falar de um programa de ação afirmativa que tem “cara brasileira”, criando seus próprios caminhos e se aperfeiçoando na medida em que é implantado. E que, acima de tudo, apresenta resultados, reduzindo as desigualdades no acesso ao ensino superior.

É o bastante? Não, está longe de ser. Todos nós sabemos, por teoria ou prática, que a dificuldade dos estudantes negros ingressarem no ensino superior, principalmente nas universidades públicas, é resultado de um acúmulo de desvantagens que estes indivíduos tiveram ao longo de sua trajetória de vida e principalmente educacional. Portanto é essencial uma política de cotas para universidades públicas, ampliando o acesso ao ensino superior público a essa parcela historicamente excluída.

Finalmente esta reflexão nos leva ao tema da persistência do racismo na sociedade brasileira e da suposta “racialização” que as políticas de ação afirmativa e em particular as cotas raciais estariam promovendo. Alguns dos críticos destas medidas afirmaram que “existe preconceito racial no Brasil, mas o Brasil não é uma nação racista”. É, pode ser. Mas não deixa de nos intrigar qual é a operação lógica possível que leva um país a não ser racista, embora tenha preconceito racial. Ou, inversamente, como as pesquisas de opinião costumam demonstrar, que seja um país racista sem racistas. Os exemplos que já existem de universidades que adotaram as cotas desmentem, na prática, a teoria de possível acirramento do racismo.

Esta escolha histórica que hoje o Brasil faz – e que esperamos que o Senado ratifique – tem conseqüências importantes do ponto de vista da inclusão social e da ampliação de oportunidades. Trata-se de uma escolha que de forma nenhuma nega a nossa identidade nacional ou recusa a utopia da igualdade. Ao contrário: esta escolha permite que se caminhe em direção à utopia. Sem estas medidas, o Brasil continuará simplesmente reproduzindo suas desigualdades e aí sim, caminharemos em direção ao fracasso.

Na expectativa de contarmos com o voto favorável de Vossa Excelência subscrevemos atenciosamente,

+ sobre o tema

Diretor da Gaviões é demitido após participar de ato pela democracia

Emerson Osasco, diretor da Gaviões da Fiel e desenvolvedor...

Redação Enem 2018: dicas para fazer um bom texto

A redação no Enem vale cerca de 20% na...

Frente democrática no Brasil não pode deixar de lado o problema do racismo, diz pesquisador

Silvério estuda como movimentos negros em diversos países se...

para lembrar

Taís Araújo e Lázaro Ramos reestreiam peça sobre Martin Luther King em SP

Reestreou na sexta-feira (15.01), em São Paulo, a peça...

USP é a 38ª melhor universidade do mundo, segundo ranking Webometrics

A USP (Universidade de São Paulo) é a 38ª...

A ostentação negra incomoda

Ostentar significa “alarde, exibição vaidosa, vanglória”. Qualquer um pode...

ENEM: site para mudança do local da prova do Enem já está ativo

Um problema no site do Instituto Nacional de Estudos...
spot_imgspot_img

‘Dicionário das Relações Étnico-Raciais Contemporâneas’ convida ao aprendizado

A dimensão étnico-racial vem ocupando lugar essencial para a análise social, política, econômica e cultural do Brasil e se tornou um dos temas mais...

Unilab, universidade pública mais preta do Brasil, pede ajuda e atenção

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) surgiu com a proposta de fazer a integração de alunos de países africanos de língua...

Cotas, sozinhas, não acabam com a desigualdade

Há uma demanda crescente para que as universidades de alto prestígio (ou de elite) aumentem a diversidade étnico-racial e socioeconômica de seus alunos. Nessa...
-+=