O discurso do presidente Jair Bolsonaro na abertura da 75ª Assembleia Geral da ONU, realizado virtualmente na manhã desta terça-feira (22), mais uma vez mostra como o Brasil apequenou sua política externa ao fazer uso de uma das tribunas mais importantes do mundo para defender sua gestão ambiental e de combate à pandemia de Covid-19.
Diante da comunidade internacional, Bolsonaro minimizou a gravidade da crise ambiental, responsabilizou indígenas pelas queimadas e atacou organizações da sociedade civil por uma suposta campanha de difamação cujo objetivo seria minar a liderança brasileira na produção de alimentos.
No quesito pandemia, embora ainda defenda publicamente a cloroquina —uma medicação sem eficácia científica comprovada contra o novo coronavírus—, o presidente adota a tese de que a Justiça delegou aos governadores a responsabilidade de agir no combate à doença, quando na verdade o presidente se uniu ao seleto grupo de chefes de estado negacionistas, agindo ativamente contra as medidas de isolamento social e estimulando aglomerações, incluindo protestos antidemocráticos.
O tom autoelogioso sobre a renda emergencial omite que, se dependesse de seu governo, as parcelas do auxílio seriam de apenas R$ 200. Foi o Congresso que determinou o valor de R$ 600, agora reduzidos a R$ 300 por meio de medida provisória do presidente.
O discurso de Bolsonaro subestima o nível de conhecimento e informações dos líderes mundiais sobre o Brasil e fragiliza a reputação do país, com efeitos nocivos no campo diplomático e até comercial.
Apesar de o presidente mencionar no discurso a possível entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e o Tratado Mercosul-União Europeia, o desmonte ambiental de seu governo e os constantes ataques a jornalistas e a organizações da sociedade civil são fatores que podem prejudicar as negociações.
Países como França e Alemanha já sinalizaram dificuldade em dar seguimento à ratificação do Tratado Mercosul-UE por conta da questão ambiental.
A defesa da política doméstica em vez de um discurso que coloque o Brasil à frente dos grandes desafios internacionais fica ainda mais patente a partir das omissões.
Embora 2020 tenha sido o ano em que o debate antirracista teve forte repercussão global, o presidente ignorou por completo a questão. Segundo dados recentes do Atlas da Violência, no Brasil 75% das vítimas de mortes violentas são negras —informação suficiente para mostrar a urgência de políticas públicas capazes de combater o racismo estrutural no país.
Em seu pronunciamento, Bolsonaro afirmou ainda que o Brasil se destaca no campo humanitário e dos direitos humanos e que vem se tornando referência internacional pelo compromisso e pela dedicação no apoio prestado aos refugiados venezuelanos.
O presidente omitiu, porém, que as fronteiras brasileiras estão fechadas para refugiados desde março.
As regras sobre o fechamento das fronteiras brasileiras têm sofrido flexibilizações ao longo dos últimos meses e hoje permitem a entrada de turistas e investidores por via aérea, mas ainda proíbem pessoas que fogem da crise humanitária na Venezuela de entrar em território nacional pela via terrestre.
Por fim, o presidente diz que o Brasil tem compromisso com os princípios basilares da Carta das Nações Unidas, incluindo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.
Vale destacar que esses princípios incluem o respeito aos direitos de grupos mais vulneráveis e minorias étnicas e religiosas. Na direção contrária, ao encerrar seu discurso afirmando que o Brasil é um país “cristão e conservador”, Bolsonaro ignora a pluralidade religiosa do país e viola o princípio constitucional de laicidade do Estado.
Diferentemente do que o presidente afirmou na ONU, o Brasil está hoje longe de ser uma referência em direitos humanos e em preservação ambiental. Talvez deixe de ser também uma referência em diplomacia.