DEFICIENTES CÍVICOS

 

LELÊ TELES

Nessa terça-feira, 06, a presidenta Dilma Rousseff assinou um projeto de lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos para negros.

Nos jornalões, a grita foi geral.

A Folha afirmou em editorial que “se opõe à utilização da cor da pele como critério para o que quer que seja. Apoia, entretanto, que se usem categorias sociais para definir a alocação de determinados recursos públicos, como lugares em universidades. A maior proporção de negros e pardos entre os mais pobres garante que a cota social beneficiará esses grupos, sem a necessidade de o Estado incidir numa classificação racial dos cidadãos, que mais reforça do que dissolve barreiras”.

A Folha faz um resumo do que pensa uma parcela da sociedade brasileira. Não são contra cotas, são contra cotas para negros. 

São contra qualquer conquista social para a população negra. E para defenderem seu discurso segregador usam o termo racismo, racialismo e discriminação como forma de condenar propostas que visam justamente eliminar essa chaga que contamina o tecido social brasileiro.

A Folha, por exemplo, se diz a favor de cotas sociais porque “a maior proporção de negros e pardos entre os mais pobres garante que a cota social beneficiará esses grupos.”

Mas o diabo é que não se trata somente de beneficiar “esses grupos”. Trata-se de beneficiar a sociedade como um todo, uma vez que é saudável que uma nação encare de frente suas contradições.

Em ’68 foi implantada no Brasil a Lei do Boi (Lei nº 5.465, de 3 de julho de 1968) , que era um sistema de cotas para brancos, uma vez que servia para assegurar vagas em universidade federais e escolas agrícolas para filhos de fazendeiros. A lei só foi revogada 17 anos depois, pelo presidente José Sarney. Onde estavam os que atacam as cotas para negros?

Se fizermos como quer a Folha e permitirmos simplesmente que se ofereçam cotas para os pretos que são pobres, vamos deixar de fazer um pergunta incômoda: por que eles são pobres? 

Ora, porque são pretos e pardos, porque são negros. É disso que se está falando e é isso que certos setores da mídia velha querem calar.

É uma questão ideológica, é um discurso articulado por articulistas de direita para municiar os tais leitores/eleitores de direita identificados em recente pesquisa.

É preciso ficar evidente que os negros se integraram à sociedade brasileira como deficientes cívicos. Libertos da condição de escravos, passaram à experiência da subcidadania, uma vez que a liberdade não existia para quem não tinha acesso à escolas e a empregos dignos.

“A liberdade precisa ser entendida como um conjunto de experiências vividas”, diz a historiadora Marília Ariza em sua dissertação de mestrado O ofício da liberdade: contratos de locação de serviços e trabalhadores libertados em São Paulo e Campinas (1830 – 1888). E reforça, “mesmo para aqueles que se tornavam formalmente livres, seu universo de expectativas e direitos era muito desigual quando comparado a outros setores da população”.

E ainda o é. E é isso que se quer eliminar.

Quando se instituiu, por força da lei, a cota eleitoral de gênero, obrigando cada partido ou coligação a preencher o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, ninguém chiou. Cotas para mulheres é justo, não é machismo e nem feminismo. 

Agora que se propõe cotas raciais para o congresso aí ouve-se a chiadeira, “onde vamos parar?”, pergunta Constantino, articulista da revistaveja. “Queremos um país todo segregado por raça? Isso apenas fomenta o racismo!”, exclamou o economista. 

Por que o estado não pode criar leis compensatórias para os negros? Porque isso ofende a constituição, é contra a igualdade… Mas esse argumento só é utilizado quando os beneficiários são negros.

Acaba de completar 22 anos a Lei 8.213 de 24 de julho 1991. Ali está escrito que toda empresa com 100 ou mais funcionários deve destinar de 2% a 5% (dependendo do total de empregados) dos postos de trabalho a pessoas com alguma deficiência. Não houve grita, não houve editoriais condenatórios.

E as cotas para deficientes não foi só para o serviço privado. A Lei n. 8.112/90, garantiu reservas de até 20% de vagas no serviço público para pessoas com deficiência. Isso se mostrou salutar para estimular “esses grupos”, segundo o Ministério da Educação (MEC), entre 2003 e 2011, o número de estudantes deficientes saltou de 5 mil para 23 mil. Estão se qualificando para o mercado de trabalho porque foram estimulados.

Mas um canalha poderia fazer a seguinte pergunta: por que oferecer cotas para um cadeirante se na hora de fazer as provas estaremos todos sentados, onde a desvantagem dele?

Mas esse tipo de raciocínio canhestro é utilizado sempre quando falta argumentos para os que querem os negros em seu devido lugar: tomando todos os dias sua cota de tapas da polícia, sua cota de humilhação e desprezo, ou de costas, tomando sua cota de tiro na nuca.

O DEM entrou no STF contra as cotas para negros no ensino superior público, mas a suprema corte decidiu no ano passado, e por unanimidade, a constitucionalidade do sistema de cotas raciais em universidades. Derrotado, o DEM mudou o discurso, hoje ACM Neto tem uma negra como vice e se diz a favor das políticas compensatórias para a população negra.

Isso deixa claro que o sistema de cotas educa e faz as pessoas reverem suas convicções. Negros e negras passaram a figurar em comerciais de TV, em telenovelas, em jornais e tais porque os negros saíram à luta. Querem calá-los com esse discurso de que sofrem discriminação social e não de cor.

Falácia, todos nos lembramos do caso do garoto etíope adotado por um casal de espanhóis que foi expulso de um restaurante em São Paulo, em janeiro de 2012. O proprietário pediu desculpas e disse que “confundiu a criança com um menino de rua”. Mas era um menino de classe média, vestido com uma camisa oficial do Barcelona, tênis novos, onde menino de rua?

Um ano depois, em janeiro de 2013, outro garoto negro, de 7 anos de idade, foi expulso de uma concessionária BMW no Rio de Janeiro onde estava com os pais que são brancos. O funcionário justificou sua ação dizendo que o fez “porque eles pedem dinheiro, incomodam os clientes. Tem que tirar esses meninos da loja.” O diabo é que esse também era um garoto de classe média, bem vestido e tais.

Como se vê, o preconceito nesses dois casos não foi de classe, concessionárias de carros importados e restaurantes chiques não são locais para negros. 

Ah, mas serão, e cada vez mais, é só darem a eles oportunidades, cidadania. E as cotas servem a esse propósito também.

No mês da consciência negra esse é um bom debate. Não queremos esclarecer nada, o que nós queremos é escurecer. Dizem que é difícil definir quem é negro no Brasil, porque aqui todos temos o sangue negro, veja você.

Mas isso evidentemente é uma mentira, todos temos o sangue vermelho e racismo é o que a gente sente na pele.

 

Fonte: Brasil 247

 

 

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