Democracia brasileira: urgências e utopias

Precisamos de união não só para as eleições, mas pelas próximas décadas para assegurar políticas públicas

FONTEPerifaConnection, por Juliana Garcia
Perifa Connection/Divulgação

Nos últimos anos o mundo tem se tornado cada vez mais caótico tanto no contexto macro na forma em que os governos estão sendo regulados globalmente, quanto no modo como tudo isso tem refletido na esfera individual.

Seja nos noticiários da televisão ou colunas online dos grandes jornais vemos diversos autores abordando preocupações em relação à política e economia – como ajustes fiscais, privatização das indústrias, aumento da informalidade, desemprego, entre outros assuntos. A tradução para isso é que milhares de pessoas todos os dias têm suas expectativas, saúde física e mental espremidas; os sonhos têm dado vez aos medos e às concessões da precarização da vida diante das desigualdades que o capitalismo nos impõe.

A democracia brasileira por vezes se mostrou frágil e atravessada pelo racismo cujas rupturas podem ser observadas em alguns momentos da história do país – ora no contexto do Estado Novo de Vargas (1937-1945), da ditadura militar (1964-1985), do impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (2016). Atualmente, a crise pode ser ainda mais trágica e ceifar mais um capítulo da democracia brasileira desses últimos 100 anos.

No conjunto das artimanhas utilizadas por Bolsonaro para obter êxito na manutenção de seu poder vemos o uso de técnicas sofisticadas que penetram e influenciam estruturas – das redes sociais, religiosa, militar e política (não só à frente do cargo mais importante do Executivo, mas também tendo uma participação intensa no Legislativo). Todas essas estruturas são bem estratégicas diante de sua força significativa na sociedade.

Bolsonaro simplesmente governa da forma que quer. Usando muita ofensa, xingamentos e atitudes irresponsáveis, sem se importar com o equilíbrio das instituições públicas. Assim, ele tem rompido com alguns pactos constitucionais, produzindo e autorizando novas cenas de barbárie no país.

É inaceitável acreditar que só temos esse projeto de morte e destruição como possibilidade para as nossas vidas, assistindo e sendo asfixiados por ele. Não temos tempo a perder, o presente está em construção e precisamos disputar os rumos a partir de alguma alternativa. Isto é, mantendo as ideologias, mas de forma pragmática, visando a objetivos concretos e éticos, sem cair em um idealismo sem resultado; como fica parte da esquerda brasileira.

Neste sentido, temos duas principais urgências: derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022 e fortalecer agendas dos direitos básicos – em especial o combate à fome e o direito de viver, sem ter tantas vidas negras ceifadas diariamente de forma violenta. Precisa ser um esforço intenso em conjunto com a política institucional (Executivo e Legislativo) e, principalmente, com os movimentos sociais para em breve consolidar um braço forte popular e legítimo ainda mais potente do que temos atualmente. Um depende do outro para ter uma atuação forte para, pelo menos, assegurar os direitos básicos e a sobrevivência do povo.

Diante dessa polarização, temos Lula, líder que nos dá esperança para dias melhores, que ainda não está eleito. Mesmo que a sua pré-candidatura alcance vitória novamente, ainda permanecemos em disputa com a ideologia bolsonarista na realidade brasileira. A possível vitória de Lula poderá abrir uma possibilidade de posicionar melhor algumas estratégias, corrigindo alguns erros desse caminho que precisamos percorrer. Alguns desses desafios urgentes são desde questões básicas até as complexas. Como, por exemplo, dialogar para ontem com os diferentes, restabelecer pactos básicos de convivência e humanidade até garantir as estruturas para isso.

Precisamos nos multiplicar e funcionar como uma bola de neve nas ruas, até que possamos ser a maioria dos 200 milhões de brasileiros dando uma resposta e retomando os rumos do país. E também nas redes, com investimento para acessar técnicas modernas e eficientes na comunicação, pois estamos muito atrasados em muitas áreas.

Assim, os nossos esforços de diálogo e articulações para derrotar Bolsonaro nessas eleições são urgentes, principalmente para ganhar força agora, cuja construção desse campo político precisa ser nutrida pelas próximas décadas. Pois, o bolsonarismo continuará vivo, independentemente do resultado das urnas. Além do resultado das pautas que queremos, também é necessário costurar as novas configurações das próximas lideranças que vão ser a próxima vanguarda da política brasileira.

Para quem não domina a máquina do Estado e das múltiplas forças privadas que predominam no capitalismo, o que resta é muita construção e crescimento da força popular. Todos os recursos disponíveis e possíveis servirão para potencializar essa caminhada. Pois, quem pode se dar ao luxo tornar pública e intensa a campanha eleitoral ‘’sem pressa’’ são os grupos bolsonaristas que nunca pararam de conspirar, fazer seu jogo silencioso e profundo nas estruturas elencadas acima, acumulando forças até aqui.

Dito isto, boa parte da população está sobrevivendo a partir da ação de grupos, assim como foi na década de 1980 com os núcleos de base da Igreja Católica, e como tem sido também em outros núcleos religiosos, como igrejas evangélicas, em especial as pentecostais que já fazem a campanha do kg (um dia dedicado a receber 1kg de alimento não perecível envolvendo toda a comunidade). Além dos terreiros, com doações mensais dos irmãos de fé para os membros que mais precisam. E mais recentemente, a corajosa e intensa ação dos coletivos de favelas e do movimento negro para combater a miséria e fome durante a pandemia, entregando alimentação e cestas básicas para os grupos oprimidos, como famílias de adolescentes que cumprem medidas do sistema socioeducativo (internação e semi liberdade), profissionais do sexo, imigrantes, mulheres vítimas de violência, religiosos, quilombos, entre outros.

De horizonte, precisamos de um Estado com políticas públicas contundentes de amparo social, como, por exemplo, o auxílio emergencial de R$ 600 que, bem ou mal, ajudava no cotidiano do povo, ou até a implementação da renda básica, que diversos economistas, como Mário Theodoro, têm defendido. As ações espalhadas são valorosas e matam a fome imediata de milhares de pessoas, mas não podemos jamais abrir mão de uma política séria e permanente de vida e dignidade. Seja nas relações sociais online como offline, alinhar o projeto político é o básico, necessário e o início de uma possível utopia.


Juliana Garcia

Estudante de ciências sociais (UERJ) e diretora do Nós em Movimento.

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