Desestruturação da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Rio de Janeiro

A criação de Secretarias e Subsecretarias de Políticas para as Mulheres foi uma importante ferramenta política para o desenvolvimento de ações voltadas especificamente para mulheres nos últimos anos em nosso país. Infelizmente, nada é perfeito. Recentemente ouvimos entre amigas militantes muitos relatos de desrespeito com funcionárias, assédio moral, sucateamento e desvalorização desses órgãos.

Recebemos esse texto e decidimos publicá-lo porque acreditamos que esses órgãos são fundamentais para enfrentar as desigualdades de gênero presentes em nossa sociedade, além de combater o machismo e a misoginia.

Esse texto é uma denúncia do que está ocorrendo na Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Estado do Rio de Janeiro. Esse texto é uma estratégia para comunicar ao público uma parte dos absurdos que estão acontecendo. O CIAM é um dos serviços citados no texto e que tem seus atendimentos iniciados de forma embrionária em novembro de 1993, sendo que em 1997, o serviço passa a existir em lei e, a partir dessa data até hoje, se contam cerca de 18 mil mulheres atendidas.

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Recentemente, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro (SEASDH) passou por uma reestruturação, que significou basicamente uma mudança na gestão. Até aí nada de anormal, já que se deu no lastro de uma nova configuração política/administrativa do Governo do Estado – não é nossa intenção discorrer sobre esse fato. Porém, é nossa obrigação alertar para os absurdos que vêem ocorrendo dentro da Subsecretaria de Políticas para as Mulheres, órgão subordinado à SEASDH e que também sofreu com essa reestruturação.

O que estamos percebendo, desde então, é a valorização de métodos questionáveis de trabalho e de condutas abusivas em relação às equipes profissionais. Se é uma prática comum a toda gestão cercar-se de profissionais de confiança e, o que é muito desejável, de elevada reputação técnica, na SPM/SEASDH o comum se tornou abusivo ao dar lugar a um ambiente de assédio moral. Um paradoxo; isso vem ocorrendo justamente num espaço que tem na sua origem a luta contra a violência.

Aqui, cabe um momento de pausa para um breve histórico de lutas e conquistas das mulheres fluminenses. A Subsecretaria de Políticas para as Mulheres do Rio de Janeiro deve sua existência ao enfrentamento à violência contra as mulheres, quando, na década de 1980, em razão dos assassinatos de mulheres justificados “por amor” e “em defesa da honra”, foi criado o Conselho Estadual de Direitos da Mulher (CEDIM), um dos primeiros conselhos de direitos da mulher do país e que era também o órgão executivo de políticas para as mulheres do Estado do Rio de Janeiro.

Também na década de 1980, foram criados os grupos SOS Mulher, serviços de atendimento a mulheres vítimas de violência, cujo objetivo era se tornar um espaço de atendimento, reflexão e de mudanças nas condições de vida das mulheres vítimas de violência. A criação dos SOS Mulher é um marco no atendimento direto às mulheres vítimas de violência no Brasil. Foi a partir dessa experiência no Rio de Janeiro que surgiram os primeiros centros de atendimento à mulher em situação de violência como serviços governamentais, expressão de política pública.

Em 1997, o governo do Estado do Rio de Janeiro entra definitivamente na luta pelo enfrentamento à violência com a criação de serviços de atendimento às mulheres vítimas. Por força de lei, é criado o Centro Integrado de Atendimento à Mulher (CIAM).

O tempo passou e, em 2002, o CIAM Rio torna-se CIAM Márcia Lyra — homenagem a fonoaudióloga Márcia Maria Lopes Coelho Lyra que trabalhou no CEDIM e que foi estuprada e assassinada em 2001. Depois vieram o CIAM Baixada em 2008, e a Casa da Mulher de Manguinhos em 2010. Esses serviços eram espaços especializados no atendimento às mulheres vítimas de violência, independente do local da ocorrência, da autoria e da tipologia criminal da violência. Orientavam-se por ações globais e de atendimento interdisciplinar (psicológico, social, jurídico, de orientação e informação).

Todo esse trabalho, que somava até o início de 2014 cerca de 25 mil atendimentos diretos às mulheres, só é possível por meio de uma equipe com perfil profissional técnico e, regularmente, capacitada para atender às mulheres vítimas das mais variadas formas de violência – quer seja nos espaços doméstico, público, laboral, comunitário, etc. Hoje, somente o CIAM Márcia Lyra resiste e mantém essas qualidades que os outros serviços perderam.

Difícil pensar na Subsecretaria de Políticas para as Mulheres ignorando o quanto ela está comprometida com o enfrentamento à violência contra as mulheres. Principalmente por isso, causa grande perplexidade as denúncias de assédio moral às profissionais desses serviços que, entre outras, ouvem coisas do tipo: “tem uma fila de gente para ocupar a sua vaga” e “não adianta falar com outras pessoas porque vou saber”. Causa perplexidade nomear como coordenadora da Casa da Mulher de Manguinhos uma pessoa sem nenhuma experiência e conhecimento na área de violência contra as mulheres, e, especialmente, de uma realidade local tão complexa. É indigno com as mulheres do Rio de Janeiro demitir a única advogada da Casa da Mulher de Manguinhos simplesmente porque essa quer dar continuidade à assistência jurídica e a Subsecretaria tem outros “projetos” — querem que ela deixe o atendimento às mulheres e se ocupe da organização de uma maratona. Causa perplexidade que a Casa da Mulher de Manguinhos funcione com uma coordenadora sem competência na área de violência e sem uma profissional da área jurídica qualificada e capacitada na área.

É indigno, sim, da população do Rio de Janeiro a irresponsabilidade com que estão sendo exonerados e demitidos o corpo técnico, profissionais com anos de experiência e a sua “substituição” por pessoas sem a mínima preparação mas que, como elas mesmas apregoam, receberão “um bom retroativo”. Ao que parece, receber salários retroativos às datas de nomeação para a SPM-SEASDH/RJ tem sido comum.

Causa indignação e perplexidade saber que as mais de 25 mil mulheres vítimas de violência atendidas nesses serviços não significam nada para essa gestão. Quando as usuárias questionam essas substituições e, de certa forma, sobre a descontinuidade do trabalho recebem como resposta: “isso é assim mesmo”.

Quem ganha com esse assédio moral instaurado na SPM-SEASDH/RJ? Certamente não o atual governador e nem tampouco seu vice – candidatíssimo ao executivo estadual.

Mas, de certo, sabemos quem perde. Perdemos todas e todos, perde a população do Rio de Janeiro, principalmente as mulheres que buscam nesses serviços a porta de entrada para um mundo de garantia de direitos. Mais especialmente, perdem muito as profissionais dos serviços, afrontadas em sua dignidade.

À crescente violência nas ruas e nas comunidades pacificadas, soma-se agora o descaso com o atendimento às mulheres vítimas de violência; as “Marias da Penha” do estado do Rio de Janeiro: “marias estupradas, traficadas, agredidas, assassinadas”.

 

Rio de Janeiro – Na Lapa, integrantes do Bloco Arrastão Feminista defendem os direitos das mulheres e protestam contra a violência. Foto de Tânia Rêgo/Agência Brasil.

Fonte: Blogueiras Feministas

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