Numa mesma semana, o Brasil colheu um par de bons resultados para quem se interessa pelo combate à desigualdade. O Pnud/ONU informou que o país avançou cinco posições no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que compara condições de vida em 193 nações. E o IBGE apurou que a renda domiciliar per capita e a distância entre os rendimentos de ricos e pobres atingiram, em 2024, os melhores níveis em 12 anos. A recuperação do mercado de trabalho impulsiona a remuneração; e o redesenho de um Bolsa Família esfacelado pelo governo de Jair Bolsonaro ajustou foco e aumentou a eficiência do carro-chefe da política social.
No IDH, o Brasil passou à 84ª colocação, com indicador de 0,786 numa escala que vai de zero a 1. É avanço bem-vindo, apesar da posição de meio de tabela, nada honrosa para uma nação que alardeia integrar as dez maiores economias do planeta. Em 2023, ano de referência do relatório da ONU, as estatísticas de saúde, longevidade e renda avançaram, enquanto a educação estagnou — uma lástima. De um lado, a esperança de vida dos brasileiros voltou a subir. Aproxima-se de 76 anos, após recuar quase um ano e meio, em razão do excesso de mortes na pandemia de Covid-19. O PIB per capita em paridade do poder de compra, que torna o valor comparável em diferentes países, passou de US$ 18 mil, ante US$ 16.609 em 2020. Os dados de renda foram influenciados tanto pela queda do desemprego, hoje no menor patamar desde 2012 (7%), quanto pelo aumento nas transferências de renda.
A avanço do país contrasta com o retrocesso em escala global. O IDH mundial, ora em 0,756, registrou em 2023 o menor crescimento em 35 anos de relatório, excluídos os anos da pandemia. A agência da ONU chamou a atenção para o risco de o planeta não mais alcançar o nível de desenvolvimento humano muito alto até 2030, ano de aferição dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, um deles erradicar a fome. O fosso em condições de vida entre países é imenso. Na Islândia, líder do ranking, o IDH chega a 0,972; no Sudão do Sul, extremo oposto, está em 0,388.
No módulo anual da Pnad Contínua, o IBGE reportou que, no ano passado, a massa de rendimento mensal domiciliar per capita bateu recorde na série histórica com início em 2012. Esse valor, que se refere à soma de todo o dinheiro que chega às mãos do povo, bateu R$ 438 bilhões. Subiu 5,4% sobre um ano antes e 15% em relação a 2019. O rendimento domiciliar por membro da família também foi recorde (R$ 2.020), assim como o rendimento de todas fontes (R$ 3.057). Este leva em conta, além dos ganhos de trabalho, outras origens, de aluguéis e aposentadoria a programas sociais. A desigualdade caiu. Em 2024, o 1% mais rico da população ganhava 36,2 vezes a renda dos 40% mais pobres. Ainda é uma aberração, mas a razão de renda em 2019 era de 48,9 — um rico concentrava o que quase 50 pobres tinham.
— A alta da renda com redução da desigualdade foi muito mais puxada pela melhora do mercado de trabalho. Mas vale destacar que a melhora na focalização do Bolsa Família também tem contribuído no sentido certo — analisa o economista Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Ele lembra que, de 2019 a 2022, as transferências de renda destinadas aos 20% mais pobres saíram da proporção de 64,4% para 47,6%. Grosso modo, significa que os mais vulneráveis viram a participação no bolo diminuir, um equívoco tanto político quanto fiscal. Responsabilidade com as contas públicas, afinal, é também gastar corretamente. Em 2024, continua Hecksher, a proporção subiu para 51,7%, evidência de que a maior parte dos recursos está indo novamente para o quinto de menor renda. A reformulação do Bolsa Família, incluindo o aporte adicional para famílias com crianças, explica a melhora na redistribuição.
Segundo o IBGE, o total de brasileiros que recebem dinheiro de programas sociais do governo passou de 18,6 milhões em 2023 para 20,1 milhões no ano passado. Em 18,7% dos lares há algum beneficiário do Bolsa Família, ante 19% no ano anterior. Gustavo Fontes, analista do IBGE, diz que o rendimento do trabalho impulsionou os ganhos das famílias. O instituto tem registrado aumento constante da remuneração, da população ocupada e, consequentemente, da massa de salários. A dura política monetária do Banco Central ameaça a tendência. A taxa básica de juros está de volta ao nível de 19 anos atrás, 14,75% ao ano, para que a inflação prevista em 5,5% volte à meta, de 3% a 4,5%. É torcer para o remédio não matar o paciente.