Dexter: “De um tempo para cá, o racismo já não é mais velado no Brasil”

Rapper, que prepara lançamento de novo álbum, afirma em entrevista que a internet permitiu a muitos “declarar sua medíocre essência racista”

Por Juca Guimaraes Do Ponte

Juca Guimarães

Com 36 anos de estrada na música e de militância no hip-hop, o rapper Dexter faz uma avaliação contundente sobre a faceta do racismo que se revelou no pais com a popularização das redes sociais nas últimas décadas.

Como acontece nos EUA o Brasil avança muito pouco no combate ao racismo e os ataques de ódio estão cada vez mais violentos e frequentes. As tensões só aumentam. Na visão de Dexter, a construção da autoestima das crianças negras tem relação direta com modelos positivos e uma reforma urgente no currículo escolar.

Recentemente, a rapper Negra Li, do grupo RZO, foi vítima de um ataque covarde e anônimo. A sua página foi invadida e publicaram a foto de um macaco.

Dexter defende a reparação pelo sistema de cotas e lamenta que muitas personalidades negras não se assumem com negras, o que poderia contribuir em muito no combate ao racismo.

O tema do racismo não aparece tanto nas letras atuais de rap. O hip-hop virou as costas para o problema?

Dexter – Eu concordo que não é mais o tema principal das letras, porém o hip hop jamais virou as costas para este assunto e trata desta questão diariamente em palestras, bate-papos nas ruas e também em canções.

O que precisa mudar no Brasil para que o combate ao racismo realmente funcione?

Dexter – Precisa-se investir mais em educação, desde a pré-escola e principalmente, dentro de casa. As pessoas têm de conhecer a nossa história, seja ele preto, vermelha, amarela e branca. Só se respeita um povo quando se conhece o passado, o presente e a luta deles.

A contribuição dos negros para o desenvolvimento do Brasil não é reconhecido. Por exemplo, as grandes personalidades negras do país não são lembradas nos livros de escola. Você acha que isso contribuiu para o racismo no Brasil?

Dexter – Com certeza, quando não se valoriza os heróis do povo não há identificação. Enquanto não se contar a verdadeira história, não poderemos mudar isso. As crianças não têm todas as referências que precisam, é necessário ter maior representatividade. Infelizmente no Brasil, existem várias personalidades negras que são ícones, que poderiam ocupar esses lugares, ou seja, serem referências, porém não se assumem.

Nos EUA existem grupos abertamente racistas, como a KKK, você acredita que a sociedade brasileira está caminhando para o mesmo caminho?

Dexter – No Brasil desde sempre existem grupos racistas. O Brasil é racista ao extremo, a sociedade brasileira é racista! Nós pretos sofremos racismo velado no Brasil, porém de algum tempo para cá, já não é mais tão velado assim. Os racistas se manifestam diariamente nas ruas, mas também na internet, que hoje é um veículo que pode, sim, esconder o seu rosto, mas também pode perfeitamente proporcionar que você declare sua medíocre essência racista.

O que pode ser feito para aumentar a autoestima das crianças negras para que elas valorizem e admirem as suas origens?

Dexter – Educação, contar a real história do povo preto. Mostrar e falar as elas sobre referências: Malcolm X, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, Clóvis Moura, KL Jay, Zezé Motta, Abdias do Nascimento, Dandara dos Palmares, entre outros.

Você é a favor que a história da África faça parte do currículo escolar?

Dexter – Sim, totalmente a favor, não só a história do continente dos nossos ancestrais, mas também a história do hip hop. O Brasil é o segundo país mais negro do mundo, só perdermos para a Nigéria. Como assim nossa verdadeira história não é contada nas nossas escolas?!

Qual a sua opinião sobre o sistema de cotas para negros nas universidades e nos concursos públicos?

Dexter – O Brasil deve muito para o povo preto afinal de contas, quem construiu este país e nada ganhou em troca? Acho legítimo o sistema de cotas e não me venham com a história de “coitadismo”, a balança nunca pesa igual. Estamos falando aqui de reparação!

Quais as novidades sobre o seu novo disco. A previsão era para sair este ano, não é?

Dexter – O Flor de Lótus é um disco divido em duas partes: retrata o final do exílio e o começo da minha liberdade, é uma transição muito importante. As novidades vão desde da produção até a maneira de cantar este novo mundo o qual estou vivendo. Sim, o disco sai ainda este mês.

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