Dia da Consciência Negra: atores falam sobre seu lugar como artistas

Na semana da celebração da data, veja o que dizem Erika Januza, Rafael Zulu, David Junior, Lucy Ramos, Dan Ferreira, Heslaine Vieira, Maicon Rodrigues, Sérgio Malheiros, Ailton Graça e Juliana Alves

Com entrevistas de Anny Ribeiro, Thais Meinicke, Victor Camara e Cristiane Rodrigues no Globo

Foto: TV Globo, Gshow e Divulgação

Ocupar um lugar. Estar presente. Ter voz. Representar os irmãos. Responsabilidade política. Estado de vigilância. Vitória. Sonho dos antepassados. São muitas as formas de definir a satisfação e alegria que é estar onde estão. Afinal, antes de chegarem aqui, muitas histórias de lutas e vitórias aconteceram – e ainda precisam acontecer. Na semana do Dia da Consciência Negra, o Gshow convidou atores negros a pensarem “O que significa ocupar o lugar onde está como artista negro?” e, agora, apresenta aqui as reflexões de Erika Januza, Rafael Zulu, David Junior, Lucy Ramos, Dan Ferreira, Heslaine Vieira, Maicon Rodrigues, Sérgio Malheiros, Ailton Graça e Juliana Alves.

Erika Januza reflete sobre seu papel de artista negra — Foto: Foto: Dessa Pires/Divulgação, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Significa mostrar que é possível nos dar vez e voz! Mais que isso, é necessário. Necessário olhar para a TV e se reconhecer, se identificar. Olhar para um negro em qualquer profissão que escolha exercer e que tenha possibilidades e oportunidades de chegar lá e não um sistema que o desestimule, que o desrespeite. Uma criança, um jovem em formação de autoestima, de caráter, sonhos, precisa olhar ao seu redor e ver que pode se inspirar na profissão que quiser. Só depende dele, do seu esforço para fazer seu próprio destino, seu futuro melhor. Coisas que a geração dos meus antepassados não tiveram, minha mãe talvez não tenha tido, mas hoje posso e quero ter. Que todos tenhamos. E ser uma atriz hoje, vindo de uma vida comum, de uma família simples, interpretando personagens fortes, me enche de emoção, orgulho e gratidão pela oportunidade que a vida tem me dado a cada dia e a chance de representar a força dos meus. Meu desejo é que esta porta de oportunidades e respeito se escancare. A todos!”

Rafael Zulu acredita no poder de ser referência para outras pessoas — Foto: João Cotta/TV Globo, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Acho importantíssimo! Principalmente porque sou de uma geração onde “me via” muito pouco na TV, tínhamos pouquíssimas referências de negros nesse espaço! Mas hoje já consigo olhar e perceber que existe uma melhora, oportunidades – mesmo que poucas ainda -, maiores do que antes! Ser negro, ser artista negro no Brasil, na minha opinião, é ser – acima de tudo – espelho e referência para tantos que sonham em ir além e que, por questões óbvias de falta de inclusão, não conseguem! Precisamos olhar com mais cuidado pra isso e entender que quando nós, negros, levantamos a nossa bandeira, não se trata de vitimismo e sim/quase sempre retratação!”

David Junior busca um discurso coerente na vida e no trabalho — Foto: Fabiano Battaglin/Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Hoje ocupo um lugar ao qual, na minha juventude como espectador, quase não tive acesso. Por isso, sinto que tipifico muitos dos 54% da população brasileira ao interpretar qualquer personagem no teatro, TV ou cinema. É uma responsabilidade política viver esses personagens e então procuro, tanto na arte quanto no meu cotidiano, ter um discurso consciente de quem sou e do que acredito.”

Lucy Ramos é grata aos artistas negros que vieram antes dela — Foto: Fabiano Battaglin/Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“É uma felicidade imensa dar vida à advogada Vanda Lord. Mulher forte, inteligente, misteriosa… sem estereótipos. Em muitos momentos em cena ou estudando, me bate aquela sensação de êxtase por estar nesse lugar que tem uma voz dentro da trama da novela. Inspirando e dizendo um gigante SIM! Nós podemos e devemos atuar em personagens diversos. Sei que exercer o meu ofício é estar em um estado de vigilância, não estou ali só por mim. Não posso apenas entrar em cena e ser uma atriz competente, preciso entrar em cena e causar um impacto atendendo a todas as expectativas. Ser atriz negra exige o saber de que podemos ser referência para muitas outras mulheres, crianças e homens. Estou onde estou porque grandes atores negros abriram espaço para que isso pudesse acontecer, como: Zezé Motta, Ruth de Souza, Milton Gonçalves… É necessário deixar o solo fértil para as futuras gerações.”

Maicon Rodrigues se espelha na força e desejo dos ancestrais — Foto: Artur Meninea/Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Acho que, como artista que reflete o tempo em que vivemos, eu, enquanto ator negro, só por estar vivo, já represento essa galera. Então, para mim, significa conscientizar essas mentes negras sobre a sua própria história. Uma coisa que li em um livro é que nós, negros de hoje, somos o sonho dos escravizados. Então, acho que é sobre trazer essa consciência negra para o dia a dia, para a roupa, para como a gente se expressa, para a música… Pelo simples fato de estar em cena. Acho que é assim que entendo o que é estar nesse lugar de privilégio, de acesso, de destaque no meu trabalho, e como isso reverbera nos meus outros irmãos negros. Acho que é esse trabalho de conscientização negra de fato: entender que somos o sonho daqueles antepassados que lutaram por nós.”

Dan Ferreira aposta na ação coletiva, na união dos semelhantes para se chegar ao lugar desejado — Foto: TV Globo, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“É importante ocupar certos espaços, mas também é complexo. Isso porque, mesmo tendo a consciência de que nunca estamos sozinhos e de que existem muitos profissionais negros de excelência, ainda é raro não pensar ou enfrentar a solidão de não ter pares em alguns espaços. Quando um profissional negro prospera, dificilmente encontra seu semelhante nos setores decisivos de uma empresa, por exemplo. Não porque esses profissionais não existam, mas por falta de oportunidade. A gente sempre precisa carregar no discurso e nas ações a responsabilidade de trazer nossos semelhantes junto, de representar uma parcela grande da população e de ter que ser herói, algo que artistas não negros não vivem.”

Para Heslaine Vieira, a mulher negra é guerreira — Foto: Anderson Marques/Divulgação, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Missão. Mulher negra artista ocupando lugares fora das estatísticas é revolução, está crescendo e vai continuar. Porque nascemos guerreiras, somos guerreiras e essa luta acontece há muito tempo. Se não é cedido, porque não é, é conquistado.”

Sérgio Malheiros vê em seu lugar de artista negro grande responsabilidade — Foto: Isabella Pinheiro/Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Ser um artista negro traz uma enorme responsabilidade. Primeiro porque estamos em um país onde o jovem negro ainda passa por questões de preconceito e discriminação todos os dias em todos os setores da sociedade. E a gente sabe que os números da discriminação e da violência especificamente contra nós são gigantescos na baixada do Rio e nas periferias de todo país. Nesse cenário, tenho o privilégio de representar na televisão uma minoria que não está acostumada a se ver nesse espaço. E pude sentir isso desde pequeno, uma vez que o Raí foi o primeiro protagonista negro junto com a Taís Araujo e isso gerou um sentimento de pertencimento da maioria dos meninos negros da minha idade que assistiam à novela Da Cor do Pecado (2004). Até hoje me enviam mensagens comentando sobre como se sentiam parecidos ou representados ou incluídos por conta do meu personagem. Isso é muito gratificante e ao mesmo tempo preocupante, pois faz a gente perceber que esse lugar precisa de muita força para ser ocupado.”

Para Ailton Graça, a valorização da cultura negra é uma das formas de cobrar reparo pelo passado — Foto: Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“É um dia bastante especial não só de comemorações e eu, que sou ativista de movimentos negros, costumo brincar que o nosso dia são os 365 dias do ano. É o tempo todo lutando para que haja reparações. Há uma dívida do nosso Brasil com toda a comunidade negra, que era sequestrada para exercer o trabalho escravo… O nosso jeito de cobrar esse reparo é dentro da literatura, na dramaturgia e dentro das questões culturais atualmente. Espero que tenham personagens com outras narrativas para contar outras histórias negras interessantes e únicas.”

Juliana Alves se sente responsábel por ser multiplicadora da voz negra — Foto: Fábio Rocha/Gshow, com arte de Guilherme Azevedo/Gshow

“Para mim, ser mulher negra e ocupar o espaço que ocupo hoje é uma responsabilidade muito grande no que diz respeito à representatividade. É lógico que vejo como uma vitória, me vejo como uma pessoa que contraria um pouco a estatística que, em sua maioria, é de artistas brancas e me sinto feliz e fortalecida por estar onde estou. Mas o meu olhar é sempre muito baseado naquela filosofia Ubuntu: “Eu sou porque nós somos”. Então, estou sempre procurando ser uma voz e ouvir as pessoas que fazem parte da minha história e são semelhantes a mim em termos de história de vida e de raiz. Me sinto responsável por ser uma multiplicadora dessa voz, dessa consciência negra e sempre procuro lembrar que se hoje nós temos conquistas, elas foram fruto de muita luta, de movimento social, de homens e mulheres negras. E isso não veio de maneira fácil e, por isso, a gente merece muito respeito. E agora, olhando para o futuro, temos que pensar novas estratégias, novas formas de ocupar cada vez mais os espaços que nós temos direito e merecemos. Estou muito feliz pelas conquistas que tivemos e muito atenta a esses novos tempos que precisamos estar ainda mais fortalecidos e unidos. Então, o que busco é a responsabilidade de contribuir para a nossa unidade, para a nossa união. A minha missão nesse momento é essa.”

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