A primeira é referente à notícia de que o feriado do Dia da Consciência Negra foi cancelado em Curitiba, a pedido da Associação Comercial do Paraná, que alegou que teria um prejuízo de R$ 160 milhões se as lojas ficassem fechadas na quarta, dia 20 de novembro.
O feriado virou lei em Curitiba no começo do ano. E já é feriado em 1047 cidades no Brasil, segundo a reportagem.
A data, que lembra o dia da morte (em 1695) de Zumbi dos Palmares, já é comemorada há mais de 30 anos por ativistas do movimento negro, mas só foi incluída no calendário escolar nacional em 2003, e só em 2011 a Lei 12.519 instituiu o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.
A data é um feriado facultativo, ou seja, depende de cada estado e município decidir se oficializa ou não o feriado. Todo ano aumenta o número de cidades que optam por paralisar os serviços públicos nesse dia (
veja aqui se 20/11 será feriado na sua cidade).
Os movimentos sociais do Paraná estão reclamando da liminar da Justiça, que obviamente considerou a data um dia menor. E isso logo na capital do Sul com o maior número de negros e pardos!
Não há dúvida que a data é fundamental, e digna de ser marcada por um feriado. Não vamos nos deixar influenciar por revisionismos históricos, claramente ideológicos, que atendem à direita e que visam negar a importância de Zumbi. Já é bastante revoltante que o país com o maior número de negros fora da África não tenha heróis e heroínas negros. Neste país racista em que vivemos, é fundamental valorizar a negritude.
E não tenho paciência nenhuma com quem vem me dizer que isso é racismo inverso, que estamos tentando instaurar uma ditadura negra (ou gay, ou feminista) no Brasil. Espero que a pessoa morda sua língua antes de perguntar: “mas e a valorização da branquitude?”. Querida pessoa alienada, vivemos numa ditadura branca em que a branquitude não é apenas valorizada — ela é apagada a tal ponto de ser vista como natural. Quer privilégio maior do que esse?
E também me poupe de mencionar o vídeo de um grande ator afro-americano, sempre divulgado à exaustão a cada 20 de novembro. Nele, um equivocadíssimo Morgan Freeman diz ao jornalista Mike Wallace que não quer um “Black History Month” (Mês da História Negra), que nos EUA é celebrado, com vários eventos de conscientização, em fevereiro. Freeman (cujo o próprio nome, “homem livre”, tem origens escravocratas) considera o mês comemorativo “ridículo”, porque é contra confinar sua história em um só mês. E pergunta se Wallace, judeu, tem um mês pra ele, ou se quer um, sem se dar conta que eles (tanto Freeman quanto Wallace) estão no topo da pirâmide econômica.
Freeman também pergunta qual mês é o da História Branca (resposta correta:todos). E continua: “Não quero um mês de história negra. História negra é história americana”. Ele não se dá conta que a história é contada pelos vencedores, e que a invisibilidade de todos os grupos oprimidos nessa narrativa é proposital. O tiro de misericórdia da ignorância de Freeman, e dos que pensam como ele, vem na resposta que ele dá à ingênua pergunta de Wallace (“como vamos nos livrar do racismo?) — “Parando de falar sobre isso”. Tá certo, Freeman. É só parar de falar em racismo, homofobia, machismo, transfobia, gordofobia etc que todas essas mazelas magicamente desaparecerão do nosso mundo.
Considero o Dia da Consciência Negra de extrema importância (os movimentos negros realizam eventos durante todo o mês de novembro, não só no dia 20). E penso que deveria ser feriado nacional. Aqui em Fortaleza, onde moro desde 2010, não é. Por sinal, em todo o Nordeste, região em que 70% da população é negra ou parda, apenas Alagoas — estado em que se localizava o Quilombo dos Palmares — instituiu feriado em todos seus municípios. Nem na Bahia, estado mais negro do Brasil, é feriado!
Creio que deveríamos ter mais, não menos, feriados. Pelo menos uns dois por mês. Eu quero um modelo de sociedade em que a gente possa trabalhar menos, ter mais tempo pra lazer. E nesse ponto, por mais que eu defenda o Estado Laico, e por mais que a maioria dos nossos feriados ser de ordem católica, não quero que esses feriados sejam terminados. Talvez pudessem apenas mudar de nome? (eu gosto do natal!). Não sei, ainda não parei pra pensar a respeito.
O chato é que novembro já é um mês com dois feriados fixos, dia 2, Finados, e dia 15, Proclamação da República. Ter outro feriado, no dia 20, deve ser bem puxado pros comerciantes, ainda mais por novembro ser um mês comercialmente aquecido, próximo ao natal. Porém, 20 de novembro foi o dia em que Zumbi foi assassinado, e foi o dia em que negros marcaram para lutar e comemorar a consciência negra. Portanto, sou a favor de mais um feriado em novembro. Que os comerciantes diminuam um pouco sua margem de lucro!
E pra quem reclama que brasileiro trabalha pouco, que no Brasil tem feriados demais, por isso que nosso país não vai pra frente, blá blá blá, putz, essa pessoa é meio ignorante, né? Primeiro que no Brasil se trabalha um monte, e a gente não consegue nem reduzir a jornada de 44 horas semanais pra 40. Eu morei um ano nos EUA, durante meu doutorado-sanduíche, e lá tinha feriado pra caramba, além de vários “breaks” (intervalos) nas universidades (aqui diz que os EUA têm dez feriados nacionais por ano; o Japão, dezesseis). Não se trabalha mais nos países ricos de jeito nenhum.
Fonte: Escreva Lola Escreva