“Digaí Negão”: olhares sobre a presença de Obama no Brasil

Por: Fátima Oliveira

Na escrita, foram vigorosos os protestos contra a visita do presidente Obama, como a nota de repúdio “É muita guerra para quem diz promover a paz”, da Central de Movimentos Sociais (CMS). Muitos se arvoraram em falar, sem procuração para tanto, em nome do povo brasileiro, a exemplo do abaixo-assinado do Cebrapaz, cuja tônica foi a ilusão com a eleição dele para além de que, para o mundo, um democrata sempre é menos pior que um republicano: “O senhor chegou como esperança de crescimento do homem em todas as esferas. Veio de uma classe média diferenciada, traz nas veias a herança de seus antepassados, que construíram a economia de seu país”.

Encerra afirmando: “Queremos aproveitar a ocasião para uma reflexão necessária: a generosidade, a solidariedade, o respeito à soberania de cada país e, principalmente, centrar nossas potencialidades para transformar o caos em que vivemos num mundo melhor. Acabe com o embargo a Cuba e liberte os cinco heróis cubanos, em nome da real integração entre os povos”.

O Instituto Maria Preta, da Bahia, em outdoor criado pela sua mantenedora, a Maria Comunicação, ousou usar a saudação mais bacana da inventividade soteropolitana, no trato para pessoas do peito (mais Bahia, impossível): “Digaí Negão!” – modo criativo de “tematizar”, com recorte racial/étnico, a presença de Obama no Brasil.

O ator Lázaro Ramos, indagado sobre o impacto na população negra da visita do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, foi incisivo: “…Isso afeta a nossa autoestima de uma maneira incalculável. Você não acha que uma criança negra que vê um presidente como o Obama não vai se sentir mais possível? Ver um referencial positivo sempre estimula a gente a querer mais, a se sentir mais possível. Eu falo de criança porque geralmente é onde referências são importantes, mas para mim ele também é uma superreferência”.

É lapidar um comentário ao artigo “Imprudência diplomática”, de Mauro Santayana: “Entendendo-se que Obama é um superstar de alcance mundial que ocupa a Presidência dos EUA e que carrega um simbolismo (um negro no poder do país de racismo mais deslavado) que encantou o mundo, mesmo que fosse apenas para derrotar George W. Bush, tem significado, sim, que fale ao povo brasileiro. Obama não é apenas presidente dos EUA, é uma estrela mundial de signo muito forte. O que não é pouco. Sejamos sensatos e pragmáticos: entendamos a importância dele para a luta contra o racismo” (Depaula).

No mundo, quem portava um neurônio funcionante torceu por ele. A Maria Comunicação, nas prévias do Partido Democrata, criou o outdoor “Pensar o Novo”, o mesmo slogan da agência; e Obama eleito lançou o cartaz: “Feliz mundo novo – Pensar o novo é ajudar a desenhar um futuro melhor”. Obama não é donatário de uma capitania hereditária, preside um país opressor, bélico e impregnado da cultura do Velho Oeste, pelas regras vigentes: poderes presidenciais restritos, fora o expansionismo ilimitado, nem que seja à bala, parte do DNA estadunidense.

Ao mesmo tempo, é um ícone negro ímpar, que ocupa a Casa Branca, como inegável cunha antirracista, pelo voto popular, e demonstrou ao mundo que fazer política ainda é a arte de disputar ideias. Eis a lição de Obama que interessa!

O movimento negro se deixou acuar, e o governo brasileiro, pelas lentes embaçadas do Itamaraty, não atinou que o maior legado de Obama aqui, no Ano Internacional para Descendentes de Africanos, era o repertório antirracista! Ai, meus sais!

 

Fonte: O Tempo

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