Dilema linguístico: entre valer ou não uma pitomba

por: Fátima Oliveira –

Conversava com uma amiga quando soltei que alguém não valia uma pitomba, então nada de perder tempo com o dito cujo. Ela indagou: “O que é valer ou não uma pitomba?” Às vezes falo coisas de difícil entendimento pra gente brasileira “não-nordestina-maranhense”. No Brasil, os dialetos, como as culturas, são inúmeros.

Minha amiga é da América Central. Há quase meio século em Beagá, às vezes fala portunhol-mineirês (dose, não?). Apelo para o “espacio” (falar devagar). Mas ela não sabe pedir “espacio” e dana a perguntar tanto que canso… Após umas três cervejas, personificamos tragédias gregas e quase não consegui descrever uma pitomba! Acabei falando de Pitombeira, que é um lugar, antes da pitombeira – árvore grande e frondosa, da mesma família da jabuticaba… Como não conhecia, se já comi pitomba em Beagá?!

A pitomba é uma baga… E ela: “Baga?!” E eu: “Baga… Não sabe? Ora pitomba, difícil conversar contigo! Pitomba é o fruto da pitombeira. Há no Brasil inteiro. As flores da pitombeira são pequenas, brancas, cheirosas, formam cachos finos e longos – cheiram à magia de namoro debaixo da pitombeira (olha a cerveja subindo…). Quintal com pé de pitombeira cheira que só! No tempo da floração, mata que tem essa árvore cheira a paixão”. E ela: “Paixão?”

“Na adolescência, andava de bicicleta no fim da tarde e encontrava meu namorado debaixo dum pé de pitombeira…” Ela: “Num quintal? No mato?” Sem paciência, respondi: “Nããão! No finalzinho da rua do açude havia um pé de pitombeira. Era uma ponta de rua, quase deserta, mas a gente nem beijava na boca, só pegava na mão”. E ela: “Uai! Por quê?” Eu, incrédula: “Não podia, ora pitomba! Na época era encantada com um rapaz respeitador, diferentemente de hoje, que dou as contas, rapidinho, se não é bom de pegada”.

A pitomba pode ter de um a dois caroços, polpa branca, quase translúcida, fina, suculenta, adocicada e ácida (agridoce). Tamanho? Uns três centímetros e, quando madura, a casca é entre o bege e o laranja. Quebra-se a casca com a mão e “plec”, põe na boca – e mexe pra lá e prá cá, com os dentes e a língua, pra saborear; acabou a polpa, joga-se o caroço fora! Daí o ditado “Dançando mais do que pitomba em boca de velho”. Onde nasci, os cachos de pitombas, atados em feixe, eram vendidos em feiras e ruas: “Olha a pi-tom-ba… Pi-tooom-ba do-ci-nha, quem vai querer?”

“Por que diz ‘não vale uma pitomba’, se gosta?” Retruquei: “É uma frutinha besta demais. A polpa é fina demais, embora gostosa. A gente come, come e não enche a barriga. É frutinha de diversão. Menina, eu enchia uma bacia de pitomba e ficava comendo e jogando conversa, e caroço, fora. Hoje há sorvete e até caipirinha de pitomba: seis a oito pitombas mais uma colher das de sopa de açúcar mais 200 ml de cachaça ou vodca. Aguardar umas duas horas. Dar umas balançadas pra polpa soltar; raspar o restante da polpa, delicadamente, com uma colher; e acrescentar gelo”.

E Pitombeira, o lugar? É outra história. Lugarzinho fuleiro, só com três casas e um pé de pitombeira, onde eu descia do ônibus de São Luís, nas férias. Meu avô mandava o Dé, o vaqueiro, esperar-me na pitombeira com dois animais. Um cavalo de sela, de arreios brilhosos e caçambas de prata (estribo fechado), no qual eu montava, e um burro com dois jacás (para as malas) que o Dé voltava nele. Até em casa eram “seis léguas puxadas”. Contando com as oito a dez horas de ônibus em estrada de chão, parece sofrimento, mas eu adorava esse pedaço da viagem…

Matéria original

+ sobre o tema

Que escriba sou eu?

Tenho uma amiga que afirma que a gente só prova...

Em carta a Dilma, MPL lembra de índios e pede diálogo com movimentos sociais

Convidado para reunião com a presidenta, Passe Livre pediu...

Movimento negro cobra auxílio emergencial de R$ 600 e vacina para todos pelo SUS

Nesta quinta feira (18), a Coalizão Negra por Direitos,...

para lembrar

Dona Zica Assis responde ao artigo: “Respeite nosso cabelo crespo”

Carta de Zica Assis - Beleza Natural   Oi Ana Carolina, Meu...

PV veta candidatura de João Jorge

O diretor do Olodum e mestre em Direito pela...

Descolonizar a língua e radicalizar a margem

Uma resenha sobre “Um Exu em Nova York” de...

O que diz um jovem líder dos protestos que a Veja identificou e depois esqueceu

Matheus Pries, do MPL, falou do espírito das manifestações...

Ela me largou

Dia de feira. Feita a pesquisa simbólica de preços, compraria nas bancas costumeiras. Escolhi as raríssimas que tinham mulheres negras trabalhando, depois as de...

“Dispositivo de Racialidade”: O trabalho imensurável de Sueli Carneiro

Sueli Carneiro é um nome que deveria dispensar apresentações. Filósofa e ativista do movimento negro — tendo cofundado o Geledés – Instituto da Mulher Negra,...

Comida mofada e banana de presente: diretora de escola denuncia caso de racismo após colegas pedirem saída dela sem justificativa em MG

Gladys Roberta Silva Evangelista alega ter sido vítima de racismo na escola municipal onde atua como diretora, em Uberaba. Segundo a servidora, ela está...
-+=