Diplomacia branca: Tratado de paz ou acordo de subjugação?

A consciência sobre as desigualdades, inclusive as raciais, faz com que pessoas brancas, mesmo em uma posição social ou institucional abaixo de pessoas negras sintam-se confortáveis para nos destratar publicamente. Esses dias eu estava refletindo sobre isso ao presenciar a postura livre de uma funcionária, inserida nos patamares mais subalternos da Universidade, de se sentir à vontade para me acusar e culpabilizar por coisas que envolvia o seu incômodo pessoal, mesmo eu exercendo a participação política que a ocasião exigia em defesa da democracia em um processo de decisão de representação. Eu fui constrangida pela funcionária e nenhum superior dela a solicitou moderação ou profissionalismo para lidar com a situação. 

Quando somos negras nos espaços institucionais a branquitude sente-se no direito até mesmo de ditar a semântica de nossas palavras a fim de se blindar de qualquer responsabilidade quando apontamos alguma problemática. Embora os seus pares observem tudo, quando isso é direcionado a um corpo negro, não há intervenção, não há acolhimento, o contrário com corpos brancos não ocorre. Inclusive, nessa situação que mencionei, houve até uma intervenção de um professor em demonstrar que a situação constrangia uma terceira pessoa, uma colega branca, nem um momento, ninguém pensou no constrangimento que tudo aquilo me causava. O mecanismo discursivo adotado foi de deturpar aquilo que eu dizia, nunca considerando a minha ação encaixada nas melhores das intenções, então, transformou-se uma exigência de democracia, para um processo que necessitava dela, em um ato de má fé, porque a problemática envolvia a impossibilidade branca de lidar com questionamentos. 

Um colega, branco, indignado com ocorrido, nos bastidores, manifestou apoio para que eu pudesse denunciar a questão a ouvidoria da universidade. Outras, mais dois, também brancos, comentaram indignados comigo o quanto a situação era absurda. Um apoio importante, mas que na esfera pública, não foi expressado, porque isso envolvia a vulnerabilidade desses sujeitos diante dos brancos que tem poder na instituição. A perseguição acadêmica é racializada nas instituições, segue também uma lógica também do preconceito regional. Contudo, eu percebo que é muito mais fácil ser branco em uma Universidade no Brasil, pois o sistema já foi forjado para atender as demandas da branquitude e até as relações acadêmicas segue o pacto narcísico do branco. 

Ao escrever este texto, eu lembrei dos relatos de professoras negras que eu conheço, sobre como alunos brancos se sentem à vontade para desrespeitá-las dentro de uma sala de aula. Acreditam, pela lógica do Costume, e internalizam a nossa inferiorização, humana, em relação a si, por isso, nem um esforço em nos respeitar nos espaços, devido a muitas lutas, que compartilhamos.  

Na minha trajetória acadêmica, a situação que eu mencionei no início do texto não é uma novidade. Antes, eu acreditava que quando eu me tornar professora universitária meu corpo seria mais respeitado no ambiente acadêmico, com os exemplos que também já citei, eu considero isso uma impossibilidade. Então, o que fazer para podermos viver melhor dentro do espaço acadêmico ou qualquer outro espaço majoritariamente branco? 

As irmãs de luta mais preocupadas e que já comeram o pão que Ocidente amassou talvez me abracem dizendo para aceitar a diplomacia violenta do branco e dançar conforme o ritmo tortuoso da subalternidade ainda nos imposta nos espaços.  Até é compreensível essa sugestão, porém, a liberdade do corpo envolve a liberdade de voz, de podermos falar ao opressor que não aceitamos, em pleno 2024, as violências e os boicotes que nos direcionam nos espaços que exercemos nossa profissão ou formação.

Quem acolherar a voz de quem não escolheu a diplomacia branca como forma de existir socialmente? Tal diplomacia não é um acordo de paz, é um tratado de subjugação que nos autoimputamos para encaixar e até mesmo servir a quem não abandona o privilégio.


Juliana Sankofa, também conhecida como Juliana Cristina Costa, nasceu em João Monlevade, Minas Gerais. É escritora, ativista e pesquisadora. Possui mestrado em Estudos Literários pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Brasil) e é graduada em Letras/Literaturas pela Universidade Federal de Viçosa (Brasil). Atualmente, encontra-se no doutorado em Estudos Literários na Universidade Federal de Uberlândia (Brasil).


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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