Esta semana foi em cheio para o tetracampeão do mundo de F1. Venceu o GP da Alemanha, viu o seu adversário sair da pista, foi assobiado no pódio e “esquecido” pelos comentadores da Sky.
Por Alfredo Lavrador Do Observador
Lewis Hamilton desenvolveu há muito uma pele espessa, que o protege de alguma sensibilidade às críticas, que poderiam fazer tremer (ou enfurecer) a maioria. Nasceu negro de uma família remediada, mas que o ajudou a concretizar o seu sonho: ser piloto de karts. Era tão bom no que fazia que rapidamente a McLaren o colocou sobre a sua asa, com o apoio da Mercedes, até ter idade para pilotar um F1. Depois de mostrar serviço nas disciplinas de formação, eis que chegou à F1 e à “sua” equipa McLaren, onde teve de pedir meças ao grande Fernando Alonso, hoje entre os melhores, mas ainda mais na altura, tanto mais que exibia as duas coroas de campeão do mundo conquistadas nas duas épocas anteriores, respectivamente em 2005 e 2006.
Em carros iguais, o estreante Hamilton bateu-se (e bateu) com Alonso em 2007. É claro que Alonso “choramingou”, mas muito menos do que em 1999, quando venceu de forma ilegal o português Manuel Gião no campeonato espanhol de fórmula Nissan (ultrapassou na última corrida Gião, sob bandeiras amarelas, mas curiosamente o comissário, espanhol, não reportou o pormenor), o que lhe permitiu ascender à F1. Queixou-se Alonso que a McLaren favorecia o estreante em relação a si próprio, duas vezes campeão do mundo. Mas a verdade é que no ano de estreia, Hamilton obteve seis vitórias, contra quatro do espanhol e só não se sagrou campeão do mundo porque a guerra interna acabou por entregar o ceptro de campeão a Raikkonen, num Ferrari.
1-0 ao Alonso
Curiosamente, no ano de estreia da F1, Alonso foi “apenas” 23º no campeonato, com uns espectaculares 0 pontos, tendo assinado um incrível 10º posto como a sua melhor classificação. É certo que a Minardi não era a McLaren, mas os 0 pontos do espanhol também estão longe dos 109 de Hamilton, a apenas 1 ponto do campeão Raikkonen. E no ano seguinte, em 2008, Hamilton sagrar-se-ia campeão mundial, título que repetiu em 2014, 2015 e 2017, enquanto no mesmo período Alonso reuniu, em termos de campeonato, um saco cheio de… nada. E não é que faltem qualidades ao espanhol.
Hamilton até pode nem ser o melhor piloto do mundo, mas está decididamente entre os mais rápidos da actualidade, sendo um dos que melhor trabalha na afinação do carro e também um dos que comete menos erros. É certo que só vence porque o seu Mercedes é um dos melhores fórmulas na grelha de partida, em companhia do Ferrari e, em certas pistas, do Red Bull, mas a verdade é que sem carros bons, não há campeões do mundo. E basta recordar as palavras de Frank Williams, líder histórico da equipa Williams de F1, que já conquistou nove títulos de campeã do mundo, quando afirmava: “Se tiver uns milhões para gastar, prefiro investir em engenheiros do que em pilotos. Os pilotos podem dar-me uns décimos por volta, mas os engenheiros podem fazer-me ganhar vários segundos.”
Em 2018, a Ferrari está ligeiramente melhor do que a Mercedes, o que até é bom para a disciplina, pois os carros vermelhos têm uma legião de adeptos superior à dos prateados. Mas ainda assim, Hamilton liderava o campeonato, isto até ao GP da Áustria, em que o Mercedes avariou e o obrigou à desistência, para no GP seguinte, o da Inglaterra, Raikkonen o ter empurrado para fora na primeira curva. O finlandês no final pediria desculpa, mas nada que o impedisse de se atrasar na classificação do campeonato, apesar de ter conseguido recuperar quase de último para 2º, porém atrás de Vettel, o companheiro de equipa de Raikkonen.
Assobios e críticas na Alemanha
No último Grande Prémio, o da Alemanha, o Mercedes voltou a falhar a meio dos treinos, o que o obrigou a arrancar de 14º. Hamilton fez uma prova empenhada, sempre muito rápido e passou toda a gente até chegar a segundo. Não cometeu um único erro quando a pista estava seca, mas também foi exemplar quando ficou molhada e traiçoeira (excepto aquela hesitação à entrada das boxes, que não foi sancionada pela organização).
Quis o destino que o seu grande rival (e excelente piloto) Sebastian Vettel saísse da pista e batesse com o Ferrari no muro, estupidamente, pois tinha 9 segundos de avanço e até o pior piloto da grelha seria potencialmente capaz de gerir a vantagem nas voltas que faltavam. Mas Vettel errou, bateu e desistiu. Para alegria de Hamilton, que venceu um Grande Prémio que parecia impossível de ganhar.
Depois do sucesso arrancado a ferros, custou muito ao piloto inglês, que é negro, ser apupado no pódio, mesmo a correr na Alemanha num carro alemão. Um triste espectáculo que nem o piloto, nem a F1 mereciam. Como Hamilton faz questão de realçar, “na semana anterior, em Inglaterra, venceu um piloto alemão num carro italiano, à frente de um piloto britânico (ele próprio), e não houve assobios”.
As estranhas críticas na TV
Depois deste caso encapotado de racismo, ou de nacionalismo extremo, Hamilton teve de lidar com três indivíduos (Damon Hill, Martin Brundle e Nico Rosberg) que já foram pilotos de F1, de onde dois foram afastados há muito por já não serem competitivos (Hill e Brundle) e o outro (Rosberg) desistiu das corridas.
Após o GP da Alemanha, que venceu e que lhe permitiu regressar à liderança do campeonato, com 17 pontos de avanço sobre Vettel, Lewis Hamilton viu a transmissão da corrida pela SkyF1 e constatou que nenhum dos três comentadores e ex-pilotos teve uma palavra sequer de apreço pelo seu desempenho. Como se fosse habitual ir de 14º para 1º sem erros, em condições que estavam longe de ser fáceis. Vettel que o diga. Vai daí, postou no Instagram um comentário (que pode ver acima), lamentando o facto, tanto mais que Hill e Brundle são tão ingleses quanto ele, mas brancos, e Nico é amigo dele desde infância e foi companheiro de equipa nos karts e na Mercedes.
É suposto os comentadores terem opiniões, o que não impede que muitos pensem – a começar pelo próprio Hamilton – que têm também uma agenda pessoal. Lewis é, de longe, o melhor piloto britânico da história e isto num país que sempre produziu muitos e bons pilotos. Tem quatro títulos mundiais em seu nome e conseguiu, em 219 corridas, conquistar 76 pole positions, vencer 66 provas e ir 125 vezes ao pódio, o que lhe permitiu conquistar 2.798 pontos.
Comparativamente, Damon Hill foi campeão uma vez (1996), tendo reunido 22 vitórias e 360 pontos, isto enquanto Brundle, depois de ter sido o grande adversário de Ayrton Senna na F3 inglesa, nunca venceu nada, nem corridas nem campeonatos. E nas 165 corridas que disputou, somou apenas 98 pontos.
Nico Rosberg, filho de um grande senhor das corridas e campeão do mundo de F1 (o pai Keke), tem a mesma idade de Hamilton (33 anos) e foram amigos e companheiros desde os tempos dos karts. A sua evolução foi facilitada por o Keke o pôr a correr nas Euro Series, na sua equipa de F3, tal como Hamilton tinha a vantagem de ser apoiado pela McLaren, mas depois dos karts só voltaram a encontrar-se na F1, onde Rosberg chegou um ano antes de Hamilton (2006). Voltaram a ser companheiros de equipa na Mercedes a partir de 2013, quando Hamilton trocou a McLaren para marca alemã, equipa onde Nico já estava como primeiro piloto há três épocas, período em que tinha o já “velhinho” Schumacher como colega de equipa, Nico alcançou uma única vitória em três épocas e dois 7º lugares e um 9º no Campeonato do Mundo (Shumi ficou com um 8º, 9º e 13º).
Após a entrada de Hamilton na Mercedes em 2013, por troca com Schumi, a equipa alemã de F1 ganhou outro ânimo, obviamente não exclusivamente pela presença do inglês. No primeiro ano Lewis bateu Nico (4º no campeonato contra 6º), para em 2014 e 2015 repetir a dose, sagrando-se duas vezes campeão do mundo. Em 2016 é Rosberg que conquista o título com uma vantagem de 5 pontos, essencialmente porque o carro de Hamilton teve mais problemas mecânicos, o que o levou a desistir uma vez mais do que o seu rival, perdendo ali potencialmente 25 pontos. Rosberg retirou-se no final da época, afirmando estar esgotado e ter feito demasiadas concessões para vencer.
Se Rosberg passou a ver a F1 do pit lane, Hamilton continuou a vencer, sagrando-se campeão em 2017 e liderando este ano a corrida ao título, pelo que poderá ser esta a origem de uma certa ‘azia’ de Rosberg para com o seu antigo companheiro de equipa. Depois das críticas de Hamilton, devidamente “arejadas” pela imprensa inglesa, Nico – que continua a ter um contrato como embaixador da Mercedes – ainda publicaria no fim-de-semana um vídeo, em que louvava a prova de “Lewis e da Mercedes e a grande capacidade do inglês em nunca desistir”.
Entretanto, Toto Wolff, o responsável pela equipa de F1 da Mercedes, deu carta branca a Hamilton, incitando-o a responder à letra aos que o atacam, pelo que este ‘bate bolas’ com os seus críticos veio para ficar.