Do samba ao funk: a voz dos excluídos

Gêneros musicais foram perpetuados na periferia carioca e se tornaram símbolos da cultura popular do Brasil. O canto do morro transformou-se

Por Roberta Jansen, da Carta Capital 

Centenário, o samba deu voz aos pobres, excluídos, iletrados e negros das periferias brasileiras

O samba surgiu há 100 anos como a voz dos pobres, dos excluídos, dos iletrados, dos negros. De lá para cá, no entanto, sofreu inúmeras mudanças, se tornou um dos mais poderosos símbolos da identidade nacional, ganhou o mundo, mas ficou mais “branco”. A “voz do morro” hoje, tanto nas comunidades quanto na periferia, é o funk.

“Na época do Donga (autor de Pelo Telephone, considerado o primeiro samba), o samba era coisa de iletrados ou de semiletrados, como eram os negros da época; Pixinguinha era a exceção da exceção”, explica o curador do novo Museu da Imagem e do Som (MIS), Hugo Sukman, autor de diversos livros sobre música popular.

Quando, dez anos depois, o samba se consolidou de uma forma mais parecida com a que conhecemos hoje, como a turma de sambistas do Estácio, capitaneados por Ismael Silva, ele continuava ocupando esse papel de voz dos excluídos. Neste contexto, surgiu também no Estácio, em 1928, a Deixa Falar, embrião das futuras escolas de samba, e, na sequência, compositores como Cartola e Paulo da Portela.

“Esse conceito de resistência está meio gasto, mas o samba era, sim, uma maneira de gente pobre, do morro, da favela, ganhar visibilidade social”, explica Luiz Fernando Vianna, coordenador da Rádio Batuta, do Instituto Moreira Salles, e autor de diversos livros sobre música popular. “Então existe aí um fator socioeconômico do pobre como inventor do elemento de identidade nacional. Porque eu acho que o samba é o maior elemento de identidade cultural nacional”.

Nesse meio tempo, é bom lembrar, Getúlio Vargas chegou ao poder com seu projeto nacionalista e surgiu, em 1936, a Rádio Nacional. “Vargas usou a Rádio Nacional em seu projeto de nacionalização do país”, lembra Vianna. “E o samba era o gênero predominante naquele momento e vira música nacional”.

Mas foi também nesse período em que o samba ganhou mais força do ponto de vista comercial, quando entraram em cena nomes como Noel Rosa, Carmem Miranda e Mário Reis – todos eles brancos. “O samba não conseguiu ter a mesma força que o jazz para a música dos Estados Unidos, nem a rumba para a música afro-cubana”, afirma o compositor e escritor Nei Lopes.

“Já nos seus primeiros tempos, ingressando no âmbito da indústria fonográfica, ele foi escapando das mãos de seus primitivos criadores e deixando de ser uma trincheira de resistência da cultura negra. Nem as escolas de samba, que poderiam ter representado essa força, conseguiram”.

Dos anos 30 aos 50 ganhou espaço o samba-canção, que tem uma base rítmica do samba, mas é uma canção como qualquer outra – sua negritude original ainda mais diluída. “Quando chega na bossa nova, a origem negra está bastante diluída”, constata Sukman. “Nos anos 60, o samba original, negro, estava praticamente morto, espremido entre a bossa nova e o iêiêiê”. A bossa nova levou a música brasileira para o mundo, mas, na opinião dos especialistas, não o samba verdadeiro.

Associação dos Amigos do Funk toca no pós-carnaval do Rio, em 2016 (Fernando Frazão/ABr)

“O samba que efetivamente representa a música brasileira no exterior é uma forma dele originada, mas que sempre rejeitou essa filiação”, sustenta Nei Lopes. “Estou falando do estilo conhecido como bossa nova. As razões disso tudo são complexas, envolvem racismo, claro, e também preconceito estético, etário etc. Mas o principal é que a sociedade brasileira é colonizada culturalmente e não deixa de sê-lo: já quis ser francesa e inglesa; hoje teima em querer ser ‘transnacional’. Uma pena, não?”

O advento do golpe militar de 1964 e da ditadura que se seguiria trouxe à cena com toda força a Música Popular Brasileira de protesto, tendo como expoentes nomes de peso como Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso. No entanto, num movimento paralelo, o samba de raiz voltou a ganhar força pelas mãos de Clementina de Jesus, que promoveu a volta de Ismael Silva, Cartola, Nélson Cavaquinho. Nessa época também surgiu no centro do Rio o Zicartola, o restaurante de dona Zica e Cartola, onde diversos sambistas costumavam se reunir. O show Opinião, um marco na resistência à ditadura, conseguia reunir essas vertentes musicais, nas figuras de Nara Leão e Zé Ketti.

Toda uma nova geração de sambistas surgiu a partir desses movimentos, como o próprio Nei Lopes, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, João Nogueira e, logo depois, Clara Nunes, Alcione, Beth Carvalho. O fim da ditadura fez com que os tradicionais compositores das músicas de protesto da MPB se voltassem para outros projetos, enquanto a geração mais jovem, criada sob a repressão, apareceu com o rock Brasil como forma de protesto.

Legião Urbana, Ultraje a Rigor, Paralamas do Sucesso são algumas bandas desta nova fase da MPB. Simultaneamente, o movimento de resgate do samba tradicional seguiu um caminho paralelo, com Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Almir Guineto.

“Mas o samba se sofisticou, virou uma linguagem artística, que requer certa musicalidade, ligação com a poesia, se tornou menos espontâneo. O funk ocupou esse espaço da ‘voz do morro’, das criações espontâneas das favelas e subúrbios do Rio”.

 

 

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