Donald Glover: por que todos devem conhecer o autor de This Is America?

Protagonista da série “Atlanta”, o ator e cantor Donald Glover, também conhecido como Childish Gambino, se transformou na estrela mais explosiva do momento após lançar o videoclipe da música “This Is America”, com cenas em que negros são vítima de extrema violência

Por Stephanie Ribeiro Do Revista Marieclaire

Donald Glover no Met Gala deste ano – o cantor conhecido também como Childish Gambino causou sensação no red carpet poucos dias depois de lançar o clipe This Is America (Foto: Photo by Noam Galai/Getty Images)

Se você está nas redes sociais, provavelmente, nesta semana, acompanhou o nome de Childish Gambino (alcunha artística de Donald Glover) aparecer inúmeras vezes seguido de apostos como “gênio”, “autor o clipe do ano”, “o cara do ano”. Mas quem é esse tal Donald Glover? Por que ele provavelmente merece todos esses adjetivos e muitos outros? Eu te ajudo a entender um pouco desse frisson:

Donald Glover (ou Childish Gambino), de 34 anos, é um artista multifacetado. Se hoje todos estão falando sobre ele, é também porque ele tem um consistente trabalho musical independente. Sob o codinome Childish Gambino, Glover assinou um contrato com o selo Glassnote Records, em 2011, pelo qual lançou seu primeiro álbum, produzido num grande estúdio, o Camp. Foi a partir daí que sua música começou a conquistar outros espaços, até a música Redbone fazer parte da trilha sonora do filme Corra!, de Jordan Peele _Oscar de melhor roteiro em 2018 e vencedor de inúmeros prêmios no cinema.

Foi assim que suas performances passaram a chamar a atenção do grande público, já que Glover sempre foi muito conhecido no meio indie. Importante destacar que o sucesso de sua carreira, como cantor, performer, compositor, músico, está totalmente associada à sua ascensão como produtor, ator, roteirista. Sim, Glover é tudo isso, e detém reconhecimento em todas essas áreas, mesmo quando, conforme declarara no início deste ano, se sente boicotado pelo racismo por ser um homem negro, numa indústria que não aceita sua genialidade, produção, e que só alavanca e enaltece brancos:

Estudei em escola com pessoas brancas que tinham menos talento que eu – porque eu sou talentoso pra caralho. No entanto, eles estão fazendo coisas maiores que eu”.

Donald Glover durante a apresentação na cerimônia do Grammy 2018 (Foto: Kevin Winter/Getty Images)

As críticas foram fruto de revolta em relação ao Grammy: ao longo de sua carreira, ele foi indicado sete vezes, cinco dessas só em 2018. Glover ganhou em apenas uma ocasião, na categoria melhor performance tradicional de r&b. Vale destacar que vários artistas negros, mesmo sendo indicados em outras categorias deste prêmio, acabam ganhando apenas naquelas destinadas ao que é entendido como “música negra”, o que faz com que haja uma crítica forte ao racismo no Grammy. Isso explica negros como Beyoncé se tornarem muito vitoriosos, mas com poucos ou nenhum prêmio nas áreas de maior prestígio. Mesmo enfrentando barreiras estruturais, Glover é um artista premiado, inclusive em suas outras áreas de atuação.

Glover venceu o Emmy Awards de 2017 nas categorias melhor direção em série de comédia e melhor ator em série de comédia _ além de ter sido indicado na categoria roteiro em série de comédia. Esse reconhecimento ocorreu graças à Atlanta (Netflix) que em 2016 ganhou o Globo de Ouro como melhor série de comédia ou musical.  Mesmo Glover tendo atuado em blockbusters como Homem-Aranha, dado voz ao personagem Simba em O Rei Leão, superprodução que estreia em 2019, ou trabalhado como roteirista da sitcom 30 Rock, estrelada por Tina Fey, é por Atlanta, série na qual ele assina como roteirista, produtor e protagonista, que seus olhos brilham.

Donald Glover durante a cerimônia do Emmy em 2017, quando ganhou em diversas categorias (Foto: Emma McIntyre/Getty Images)

Não há dúvidas de que o norte-americano é um legítimo representante da geração millennial, que hackeia diversas áreas e se torna referência para si mesmo, além de influencia para outros jovens, em especial negros, que dificilmente são levados a acreditar em sua potência criativa.

Uma das pequenas amostras disso é This Is America, o videoclipe do ano. Como artista musical e visual, ao se propor a fazer uma crítica a situação do negro da América do Norte, vítima de eterno abandono, violência e genocídio, mesmo quando suas manifestações culturais são destaque midiático. Ao fazer o vídeo dessa música, Glover se une a artistas como Beyoncé e Kendrick Lamar, entre outros, que estão usando sua voz, estética e criatividade para ressaltar a necessidade de lutas como a do movimento #BlackLivesMatter (vidas negras importam). Conectados a Nina Simone, que questionava: “Como você pode ser um artista e não refletir os tempos?”, essas estrelas vem dando respostas múltiplas sobre como agir em relação a isso.

No caso de Glover, ele parou os Estados Unidos _e boa parte do planeta, que já assistiu ao seu videoclipe mais de 67 milhões de vezes_ ao dizer: “A América não nos ama pois somos corpos negros. Vocês podem amar nossa cultura, mas não nossas vidas”. Assim como em Atlanta, o clipe de This Is America vem ganhando uma série de críticas positivas e pautando uma nova forma de negros criticarem o racismo que os torna vítima estrutural, mas não vítimas de si mesmo, ao se esconder no silêncio que os faz sujeitos não ativos de sua própria luta. Glover, como muitos outros artistas, vem mostrando a possibilidade de um ativismo com ética coletiva, não dissociada do seu trabalho mais popular e midiático.

Glover representa o “novo” por sua forma de fazer ativismo, com pitadas old school. Por muitos anos, se entendeu o ativista como descolado de outras maneiras de atuar que não fosse a acadêmica e como integrante de algum tipo de organização social. Nesse sentido, Nina Simone foi a vanguarda ao mostrar um ativismo que não se descola de sua atuação como artista de sucesso.

Atualmente, essa vem se tornando uma constante: o ativismo da luta anti racismo feita por negros não se descola mais da moda, da estética, das artes. Tudo é pensado com muito cuidado no que diz respeito à imagem, e, o que durante muito tempo foi entendido como futilidade, se transfornou numa das linguagens mais importantes para alavancar nossos discursos nas redes sociais. Glover, sem dúvidas, faz um uso primoroso da estética a seu favor, a exemplo de artistas como Solange Knowles, Janelle Monáe, Beyoncé e Jay-Z, que, em seus trabalhos musicais mais recentes, reforçam o uso da estética como linguagem para potencializar sua luta e seu ativismo. Ao mesmo tempo em que seu estilo musical reflete o legado de músicos como Curtis Mayfield ou Marvin Gaye, as escolhas de linguagem de Glover o associam também a um universo nerd em paralelo ao “negro”.

Donald Glover em cena da série Atlanta, na qual atua como roteirista, produtor e protagonista (Foto: Divulgação)

Glover é, hoje, o nerd negro em maior evidência: em várias entrevistas, Glover destaca o fato de ser nerd, algo que o colocou num outro lugar em relação à sua negritude, um não-lugar. Com seus trabalhos, ele naturaliza a possibilidade de jovens negros não seguirem os estereótipos embutidos na sociedade sobre o que é “ser negro”, muito associado à figura do gangster, do malandro e do corpo viril.

Essas representações são fundamentais, aliás, para um debate que vem ganhando força: o de masculinidade. Ter Glover, um homem negro, assumindo com destaque essas representações não enviesadas de gangster ou garanhão, costumeiras para um padrão machista e racista de mostrar homens negros, é bem interessante. São essas figuras que se colam com novas representações possíveis de pessoas negras como Issa Rae (Awkward Black Girl e Insecure), Yara Shahidi(Grown Ish) ou mesmo alguns dos atores de Atlanta, como Lakeith StanfieldZazie Beetz e Brian T. Henry, todos artistas multifacetados em seus projetos, atuações, formação e realidades.

Não dá, portanto, para desassociar Glover do afrofuturismo, vide a própria capa de seu álbum, Awaken, My Love!. Enquanto influenciado por esse movimento social, cultural e político, que nasce dos negros que se entendiam distantes da cultura pop, mais próximos de um mundo geek, mas que na ausência de sua representação plena nesse universo, passaram a traçar conexões com suas origens e da diáspora, um olhar novo a partir da tecnologia e da ficção científica. Glover dá indícios disso ao longo de seus trabalhos e escolhas, e fortalece o ideal de que ser um nerd negro não te faz menos negro, sequer menos consciente das lutas coletivas.

Em tempos nos quais pessoas negras são usadas para representar e evidenciar coisas ruins (whatup Ye?), é muito bom ver emergir figuras como Glover, que representam novidades, excelência e multiplicidade. Se o futuro também é negro, o futuro é cada vez mais Donald Glover. Yessir.

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