É impossível olhar para trás e não pensar no passado que temos pela frente

“É impossível olhar para trás e não pensar no passado que temos pela frente”. É parafraseando Millôr que a filósofa Márcia Tiburi diz, em artigo pulicado na revista Cult, na quarta (28), que não basta lamentar os retrocessos de 2016 e ansiar um ano novo melhor. É preciso exercitar algumas noções de humanização e compreender a importância das práticas políticas.

Fonte: GGN

por, Marcia Tiburi

A uma sociedade que teve reações tímidas diantes de um golpe de Estado, ainda é preciso ensinar que se manter averso à política interessa àqueles que ganham com ela. Se a gente não fizer política, alguém fará pela gente.

Humanização, desumanização e o que isso tem a ver com política

Muitas pessoas se queixaram do ano de 2016. Apesar de muito leite derramado, foi um ano, sem dúvida, democrático, no sentido de muitas partilhas: PEC 55 para todos, neoliberalismo para todos, destruição da educação e da saúde pública para todos, aniquilação da democracia para todos, destruição da política para todos, miséria para todos, ódio e manipulação para todos. Claro que nesse computo geral não estão incluídos os que estão acima do povo, para quem Estado, Democracia e Direitos Fundamentais assegurados é bobagem, já que detém o Capital.

Quem tem o Capital (nacional e internacional) precisaria de democracia para quê mesmo?

Desculpem ironizar com coisas tão tristes, mas é impossível olhar para trás e não pensar no passado que temos pela frente, como dizia o Millôr, quando vemos que o projeto neoliberal avança com os saqueadores do Brasil cada vez mais animados em continuar. E o povo, mais que tonto, o povo incapaz de agir enquanto trabalha pelo menos 8 horas por dia (as mulheres 16), transporta-se de 2 a 4 horas para ir de casa ao trabalho (quando tem casa e tem trabalho) e fica na frente da televisão o resto do tempo esvaziando a cabeça…

De tudo o que se viveu em 2016, vale pensar que o resultado é um aprofundamento da crise política. Quem observa o funcionamento das instituições acredita cada vez menos nelas. Quem não tem tempo para isso, espera a morte chegar. Aliás, nada mais democrático do que a morte, essa sim, é para todos, mas também que demora mais para quem tem o Capital…

O aprofundamento da crise política é vivido pelas pessoas em geral como miséria e nojo da política. As pessoas preferem deixar a política de lado como se política fosse apenas uma questão partidária e institucional e como se isso não fosse uma grande questão a ser resolvida também coletivamente. Contudo, aqueles que estão decepcionados com política não imaginam como se espera isso deles. Enquanto uns se decepcionam, outros se aproveitam. Vejam todos esses políticos que fazendo a propaganda da não-política se elegeram nesse ano. Vejam quantos movimentos autoritários, conservadores e fascistóides cresceram (e também elegeram) seus bonecos de vodu político?

Talvez seja o tempo de criar consciência para o fato de que política é algo que amamos e odiamos. É o momento de perceber que política é algo que está aí, não apenas como uma coisa, ou uma instituição, mas como um contexto de relações. Que a política é vivida e experimentada consciente e inconscientemente. Como o inconsciente, a política é feita de camadas, de espaços, de níveis, de patamares, graus, como em andares de um prédio. Mas no sentido de uma construção universal, uma grande casa que, como cidade, como país, como planeta, nos abriga. Ninguém escapa da política. Quem está fora de um dos seus níveis, está, inevitavelmente, dentro de outro. Quando se trata de política quem é outsider por um lado é integrado, mesmo que não queira, por outro. Para deixar de ser político, cada cidadão teria que ir para outro planeta e, mesmo assim, sua fuga ainda seria política. Em palavras simples: ou você faz sua política ou os outros farão por você. Melhor então, ir estudar, pesquisar, conversar e ver como funciona para aprender a agir com consciência política.

O “fim da política” que vem sendo absorvido em doses mais ou menos intensas, mas sempre socialmente venenosas, já há bastante tempo, não deixa de ser uma questão política. A política continua na forma de um vazio para muita gente que, sem saber, está envolto nela, mas negando-a por reduzi-la, muitas vezes, à política partidária e institucional, a política dos poderes estabelecidos.Há quem esqueça que o todo da vida é político.

Por um lado, sabemos que política é o todo da vida enquanto não se vive a vida humana como indivíduo ou espécie sem que estejamos relacionados uns aos outros e, inevitavelmente, às instituições. Política é, portanto, a própria ordem e as formas como ela se renova ou se repete. Mesmo aquela ordem que se apresenta como uma espécie de “antipolítica”, quando as relações estão esfaceladas, é política. Todas as relações se dão a partir de jogos de poder nos mais diversos sentidos que essa palavra é capaz de assumir. Política também é isso. Ainda que se possa recortar de um campo específico dos poderes executivo, legislativo e judiciário organizando o Estado, e que se possa pensar a política como esfera sistemática das decisões em nível institucional, sabemos que a política está em tudo o que fazemos, que cada ato, que cada gesto, que cada desejo é atravessado por algo de político. Mais que tudo, sabemos que a nossa própria condição humana, aquele lugar onde nos definimos como espécie, é política.

Hoje quando muitos se queixam da perda do caráter humano da nossa espécie (e vamos usar essa palavra sem questioná-la imediatamente), quando tantos apelam para que nos tornemos “mais humanos”, quando se espera a “humanização”, quando se lastima a “desumanidade” que atinge as sociedades, o que se diz esperando um comportamento mais ético para com todo mundo, devemos saber que só nos tornamos “mais humanos” à medida que nos tornamos mais políticos no sentido de seres cientes das relações de poder – que muitas vezes se tornam violentas – e que, por isso, contrapõem direitos a essas relações de poder e violência como forma de sustentação da convivência que é o elemento mais simples da condição política da espécie humana.

A ideia de “humanidade” que ainda interessa a muita gente, define-se na proporção direta dos direitos fundamentais dos indivíduos e dos povos desde que eles possam existir e coabitar um mesmo mundo e, neste sentido, partilhando condições criadas coletivamente.
Que 2017 nos traga esse mínimo de consciência. O desafio não é pequeno.

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