por Fernanda Pompeu
A notícia já embrulha peixe, mas continua boa: o papa pediu demissão! Alegou justa causa por idade avançada, cansaço, doença. Arregalou os olhos dos cardeais, da mídia, do povo católico. Afinal, o último papa demissionário protocolou o pedido no ano de 1415.
Em 1415, o Brasil ainda era dos índios. A Santa Inquisição comia solta. As missas eram em latim. A imprensa não havia sido inventada. Criança era um adulto em miniatura. Anestesia para arrancar dente não havia.
O sumo pontífice foi eleito em 2005. Segundo reza a tradição morreria no cargo de chefe da Igreja Católica Apostólica Romana. Essa instituição tem quase dois mil anos e já empossou perto de duzentos e setenta CEOs. Todos homens, não preciso escrever.
Mas o que todo mundo anda se perguntando é como Bento XVI será chamado a partir de agora. Pois existem ex-presidente, ex-ministro, ex-diretor, ex-prefeito. Até existem ex-padre e ex-freira. Mas ex-papa ninguém tinha visto.
Fato é que este papa causou! Ao renunciar no meio do pagão Carnaval desbancou as escolas de samba das manchetes dos jornais. Criou um zum-zum-zum. Os especialistas se esforçam para explicar o inusitado. O alto clero tenta demonstrar que está tudo normal.
Normal não é. Ao contrário, é excepcional. É preciso muita coragem, ou muito desespero, para abrir mão de um enorme poder e de magnânimos privilégios. A gente sabe que tem síndico que vende a mãe para não sair do cargo.
No fundo, fiquei feliz com a renúncia papal. Confirmei que na vida tudo pode acontecer. Quer dizer, não estamos condenados à mesmice e ao previsível. Apesar dos tribilhões de páginas publicadas ou postadas, nem tudo está escrito! Existem sim histórias surpreendentes.
Também há uma lição embutida para aqueles que sentem dificuldade em mudar ou desapegar. Se o papa abriu mão de ser Papa, então é possível abrir mão do emprego chato, da atividade sem sentido. É possível subir no barco e navegar um mar sem fim.
Imagem: Régine Ferrandis.