Marina Silva, uma fundamentalista! por Cidinha da Silva

Por Cidinha da Silva
Tão triste testemunhar a uma mulher admirável como Marina Silva jogando a própria biografia no aterro sanitário em nome da inapetência para o poder. Negra amazônica que se alfabetizou aos 16 anos, foi trabalhadora doméstica, líder comunitária e ambientalista, professora, senadora, ministra, candidata à Presidência da República, detentora de 20 milhões de votos.
Outro dado importante e definidor da trajetória de Marina foi uma contaminação por mercúrio (doença freqüente dos pobres da Amazônia, residentes em regiões de exploração inescrupulosa de minerais)que levou 8 médicos a desenganá-la. Como ela mesma declara, não tinha mais esperança de vida e foi a fé, a conversão religiosa a salvá-la.
Parece ser em nome dessa fé, do compromisso com os dogmas que lhe restituíram a vida, que Marina professa valores inaceitáveis quanto à orientação sexual de outrem, à soberania da mulher sobre o próprio corpo e à garantia da liberdade para o exercício das diversas práticas religiosas. Isso para ficar apenas em três exemplos.
Agora, na mesma semana em que publica artigo lúcido, embora um tanto superficial, sobre os resultados do Ideb, no qual critica as autoridades dispostas a rever a metodologia do teste no afã de alcançar melhores resultados na educação, em detrimento da correção das deficiências que o teste ajuda a revelar, Marina, quando questionada em seu conservadorismo acerca de temas polêmicos, propõe consultas públicas no formato de referendo como saída evasiva, irresponsável e até mesmo covarde.
Marina, depositária da confiança de tanta gente, da maioria dos ambientalistas, órfãos depois das mutações políticas de Gabeira, auto-transformado numa espécie de Caetano dos Verdes, bandeia-se para o time dos cobradores de pedágio no caminho de Jesus, dos detratores dos direitos humanos de grupos sem status social. E como disse Wyllys, não há nada de inovador na tentativa de submeter direitos de minorias a plebiscitos ou referendos, isso não é política nova, é o velho conservadorismo.
É deveras desconcertante e desalentador. Alguém que se pretende estadista não pode ser refém de crenças pessoais reacionárias. O campo político progressista deve falar mais alto.
Deveria, mas se a racionalidade não tiver voz, que Marina mude de arena, que abandone a política e siga a carreira religiosa. Certamente, ela combaterá a exploração econômica que muitos dos pastores de seu rebanho executam, levará para as igrejas eletrônicas os valores éticos que deram credibilidade à sua prática política. Só temo por sua vida, esses abutres são mais letais do que Mercúrio, não por acaso, o deus do comércio.

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

para lembrar

Três histórias reais e uma despedida – por Eliane Brum

Ele subia a rua em passos descalços, a...

Luiz Eduardo Soares: “Eu estou convencido de que acabou o sossego para as elites brancas brasileiras”

por Dario de Negreiros, do Rio de Janeiro, especial para o Viomundo*  O...

Para Marina Silva, resultado da pesquisa é ponto forte

Ao comentar a pesquisa DataFolha, em que manteve 8%...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=