E o SACI?

Há um modelo de sociedade sendo implementado nos últimos séculos. Infelizmente a manutenção da hegemonia branca, evidencia, por exemplo, como as culturas brasileiras são por vezes secundarizadas e a cultura europeia supervalorizada, fortalecendo a ideia de pouca relevância a cultura originária do nosso país. 

Uma situação que exemplifica esse apontamento em relação a questão cultural, é a celebração realizada em todo Brasil, no dia 31 de outubro, dia das Bruxas. Acompanhamos pelas as redes sociais, nas atividades escolares, nas festas(baladas) e nos condomínios, um envolvimento coletivo e de pertencimento em relação a tal celebração. 

É o dia da festa a fantasia, com decorações de todos os jeitos e quanto mais assustador melhor, mas o que de fato essa celebração congrega com a nossa cultura? Quais são os entendimentos que os brasileiros possuem em relação ao Halloween, o dia das bruxas? 

O dia das bruxas é celebrado no Brasil, com o hábito de ir de porta em porta atrás de doces ou travessuras, enfeitar as casas com adereços “assustadores” e participar de festas a fantasia, costume muito comum. Na realidade, o verdadeiro sentido desse dia está vinculado ao dia dos mortos e a época de colheita que marca o fim do verão e o início do outono no hemisfério norte. 

O Halloween teve origem com o povo celta, pois acreditavam no retorno dos mortos à Terra.  Por ser uma festa pagã, conforme aborda estudiosos, no século VIII o papa Gregório III alterou o calendário na tentativa de atribuir à festa o caráter religioso, através da mistura das datas.

Assim, o Dia de Todos os Santos, antes comemorado no dia 13 de maio, passou a ser no dia 1 de novembro, antecedendo o que passou a ser All Hallows’ Eve. O termo Halloween então é resultado da junção das palavras hallow e eve, que significam respectivamente “santo” e “véspera”.

Nessa ocasião, também se agradecia a abundância das colheitas do ano e a transição para o início de um novo ano no primeiro dia de novembro. A falta de uma verdadeira compreensão em relação ao dia das bruxas, leva ao seguinte questionamento: Será que diferentes famílias apoiariam tal celebração sabendo do seu real significado? A escola ensina o verdadeiro sentido da festa halloween? Qual a relação dessa cultura com a dos brasileiros? Diante do exposto apresento a seguinte reflexão: 

Por que as Bruxas ao invés do Saci Pererê?

O Saci Pererê é um dos símbolos mais famosos do Folclore brasileiro, sendo considerado uma figura mitológica. Sua missão era viver no bosque, protegendo a mata e a flora contra os caçadores e predadores. A lenda do Saci surge entre os Guaranis por meados do século XVIII, era um garoto indígena de duas pernas, protetor das florestas e morador das matas Jaxy Jaterê (ou Yasy Yateré).  

O Dia do Saci é comemorado anualmente em 31 de outubro, esse dia foi criado com o intuito de valorizar o folclore nacional, ao invés de uma cultura europeia. O mundo apresentado até pouco tempo na escola era o mundo dos brancos, no qual, as culturas europeias eram apresentadas como superiores, o ideal a ser seguido (RIBEIRO, 2019).

Aos profissionais da educação faço o seguinte questionamento: Quantas vezes você trabalhou com o folclore brasileiro? De que forma? As crianças sabem identificar personagens do folclore brasileiro como o próprio Saci Pererê? 

Infelizmente esbarramos no que Chimamanda (2019), apresenta como unicidade da história, como se fossemos de uma única cultura e que tivéssemos um único princípio a ser seguido. O verdadeiro perigo da história única. Entra dia e sai dia, e seguimos saindo desse processo de escolarização, com uma única cultura, dando a impressão que somos de um único povo e uma única raça. 

As crianças sabem identificar o drácula, os vampiros e as bruxas, mas dificilmente identificam Curupira, Iara e até mesmo o Saci. Estamos vivendo num dado momento histórico que a ausência da nossa história reflete diretamente na constituição da nossa nação. Ignoramos a cultura local, inclusive correndo o risco de eliminar os conhecimentos e saberes dos povos originários e negros. Para Sueli Carneiro (2005), isso faz muita relação com o epistemicídio, não estamos preparados para tamanha perversidade do racismo, onde põe em pauta, a exclusão das oportunidades educacionais em trabalhar sobre outras culturas, diferentes da europeia. 

O Saci hoje, é conhecido como um menino negro de uma perna só, sempre trajando um cachimbo e uma carapuça vermelha. Sua característica mais marcante é a personalidade travessa. Conforme o mito, ele também é um grande conhecedor da utilização de ervas e plantas medicinais, e é conhecido por viajar dentro de redemoinhos.

Não há nenhum problema com as vivências de diferentes culturas, o incomodo está quando ignoramos umas, em detrimento de outras, dando destaque para culturas que não fazem parte do nosso cotidiano. Afinal, por que seguimos ignorando o dia do SACI? Nilma Lino Gomes, traz em suas reflexões sobre esse processo de nos ensina a tratar as diferenças de forma desigual. 

Aprendemos, na cultura e na sociedade, a perceber as diferenças, a comparar, a classificar. Se as coisas ficassem só nesse plano, não teríamos tantos complicadores. O problema é que, nesse mesmo contexto, aprendemos a hierarquizar as classificações sociais, raciais, de gênero, entre outras. Ou seja, também vamos aprendendo a tratar as diferenças de forma desigual. (GOMES, 2010, p.24)

Resolvi apresentar essa provocação, pois a educação necessita refletir sobre suas escolhas pedagógicas e definitivamente expor para qual modelo de sociedade caminhamos. Há um projeto em curso e se faz urgente pensarmos sobre isso, com responsabilidade, compromisso e respeito as diferentes culturas, histórias e saberes do povo brasileiro. Passado o do dia 31 de outubro, quais os saberes, histórias e culturas que as crianças aprenderam na escola? 

REFERÊNCIAS 

CARNEIRO, Aparecida Sueli. A Construção do Outro como Não-Ser como fundamento do Ser. Feusp, 2005. (Tese de doutorado) 

CHIMAMANDA, Ngozi Adichie. O perigo de uma história única. Versão da primeira fala feita por Chimamanda no programa TED Talk, em 2009. Companhia das letras, 2019. 64p. 

RIBEIRO, Djamila. Pequeno Manual antirracista. 1ª edição – São Paulo: coleção Feminismos Plurais, Companhia das letras, 2019. 


Graziela Oliveira Neto da Rosa, pesquisadora da ERER – UFRGS

Graziela Oliveira Neto da Rosa (Foto: Arquivo pessoal)

Professora da Rede Municipal de Educação de Esteio – RS, Mestranda da Educação – UFRGS, Membro do MNU-RS, Membro do Coletivo de Professoras Pretas, GT 26-A e Presidenta do SISME (Sindicato dos Municipários de Esteio).  

** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.

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