É preciso transformar o comportamento da sociedade, antes que seja tarde

Mônica Francisco *

Algumas questões têm de fato de serem recorrentemente trazidas para nossa reflexão e discussão em diversos setores em nossa sociedade. Desde as sagradas paredes de nosso lar até as instâncias mais coletivas e plurais.

Duas notícias me chamaram a atenção nesta semana. Na verdade muitas, mas estas duas são para mim, e penso que para muitos de vocês que acompanham a coluna e são leitores deste veículo, particularmente incômodas e dramáticas, para não dizer trágicas até.

A primeira, publicada no periódico espanhol El país, em sua sessão brasileira, dá conta de que ao contrário dos três países de maiores populações carcerárias, Rússia, Estados Unidos e China, sendo o Brasil o quarto neste quesito e pelo teor da matéria, o deixará de ser muito em breve, podendo subir no ranking se mantiver a postura que vem adotando, em caminhar para um crescente número de encarceramentos.

A matéria ressalta a diminuição contínua nestes países, e desses quatro a Rússia e a China, são os que mais diminuíram. Sendo que o primeiro, em sete anos baixou de 609 para 467 para cada 100 mil habitantes e o segundo na última década vem ano a ano diminuindo em um patamar que varia de 122 a 124 presos por 100 mil habitantes.

Enquanto isso, por aqui, nosso movimento inverso é de um aumento de 287 em 2012 para 300 em 2013 para cada 100 mil habitantes e como mencionei, vem mais por aí. Nosso público encarcerado, já mencionei aqui, mas vale a pena lembrar, e de acordo com o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) é de 574.027 presos, para 317.733 vagas , ou seja, vagas de menos e gente demais, uma combinação explosiva.

Desse contingente, 61,68/% é negra ou parda 68% é analfabeta. Chegamos à conclusão de que não há mesmo nada de errado em nossa sociedade não é mesmo?

Por sua vez, cresce o clamor por uma consolidação de um Estado policial e penal. Uma descontrolada guerra às drogas, que insere em uma guerra quem não tem nada a ver com ela e dizima cada vez mais uma parte da população brasileira com as características apresentadas no parágrafo acima e que sempre abordamos por aqui em nossa coluna.

E neste clamor por mais polícia e mais encarceramento, chegamos à outra matéria que mencionei e que chegou a mim por intermédio de publicação em uma rede social, pela antropóloga e pesquisadora Bianca Freire-Medeiros da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e que fui ler na íntegra no site da publicação intitulada News One for black America, voltada para o público afroamericano,e que divido com vocês.

A matéria menciona a pesquisa publicada pela Associação Americana de Psicologia, chama a atenção para o fato aterrador de que a polícia, e consequentemente isso pode ser ampliado para a sociedade, vê as criança negras de 10 anos como parecendo mais velhas e que não possuem, como seus pares da mesma idade, mas brancos, a presunção da inocência e consequentemente a mesma necessidade de proteção.

Hora, se replicássemos aqui essa pesquisa, não temo fazer conjecturas e dizer que o resultado não se distanciaria do estadunidense, já que o clamor pela redução da maioridade penal tem em crianças desta característica seu maior alvo.

Nós aqui em terras brasileiras e cariocas, vamos mais longe. Amarramos  crianças em postes e as espancamos em público sem nenhum pudor. Como esquecer o menino Juan de Moraes , de 11 nos, que morava na favela Danon em Nova Iguaçu, e que foi brutalmente assassinado por policiais, teve seu corpo removido do local, mutilado e encontrado na beira de um riacho em Belford Roxo, também na Baixada Fluminense, área pobre do estado do Rio de Janeiro, e que inicialmente sofreu uma perícia controversa, pois alegaram ser o corpo de uma menina.

Rapidamente a sociedade comprou o discurso da corporação e da mídia de que se tratava de traficante e que portanto, independentemente da idade, não havia muito problema em ser alvo do resultado que tivera ao  supostamente enfrentar a polícia.

Pois bem meus queridos(as) leitores(as), Raquel Lima do Instituto Terra Trabalho e Cidadania, afirma que “o problema do sistema prisional é a prisão”. Isto, porque grande parte das instituições são dirigidas pelas pessoas que compõem esta mesma sociedade, extremamente preconceituosa e conservadora. Mais do que simplesmente a reforma de um sistema ou instituição, estamos diante de um desafio hercúleo, o de transformar profundamente o pensamento e o comportamento de nossa sociedade, antes que seja tarde demais.

“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)

 

Fonte: Jornal do Brasil

+ sobre o tema

Ascensão econômica desde 2003 não modifica valores políticos, diz pesquisa

Estudo mostra que população associa ganhos dos últimos 10...

Marcos Coimbra: O “povão” e a nova maneira de avaliar os candidatos

Por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense   A...

5 coisas que você deve saber antes de considerar ir morar no exterior

Outro dia compartilhei um texto no Facebook no qual...

Campanha Justiça por Miguel recebe apoio de artistas

Nesta quarta-feira (2), artistas, militantes, ativistas, advogados e familiares...

para lembrar

CNJ acorda para o descalabro das prisões por reconhecimento errado

Não se sabe o número total, mas o noticiário...

Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar

O País é o segundo que mais prendeu em...

Tráfico de drogas é principal causa de encarceramento de mulheres na América Latina

Apesar de mulheres não chegarem a 10% da população...

Fundo Brasil vai doar até R$ 150 mil para projetos na área de Justiça Criminal

Edital é realizado em parceria com a Fundação OAK...

Fim da saída temporária apenas favorece facções

Relatado por Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o Senado Federal aprovou projeto de lei que põe fim à saída temporária de presos em datas comemorativas. O líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA),...

Unicef: prisão de menores sem flagrante viola direitos fundamentais

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) se mostrou preocupado com a possibilidade de prisões de crianças e adolescentes sem flagrante ou...

STF decide que governo deve apresentar plano nacional sobre violações em presídios

Em decisão unânime, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) determinaram que o Governo Federal deve apresentar em até seis meses um plano nacional para enfrentamento...
-+=