“É um vírus ruim, perigoso”, alerta Nobel de Medicina sobre coronavírus

O repórter Álvaro Pereira Júnior conversou com o Dr. Peter Doherty, Prêmio Nobel de Medicina de 1996, que desvendou como o nosso organismo reage ao ataque de um vírus.

No G1/Fantástico

(Foto: Getty Images)

O novo coronavírus é o atual pesadelo da humanidade, mas a nossa história está marcada por outras pandemias que também foram causadas por vírus. O repórter Álvaro Pereira Júnior conversou com o Prêmio Nobel de Medicina que desvendou como o nosso organismo reage ao ataque de um vírus.

1918: a gripe espanhola aflige o Brasil e o mundo. São pelo menos 50 milhões de mortos. Não era a primeira praga causada por um vírus.

“Nós temos registros de desenhos, de gravuras da época do Egito antigo com pessoas já sequeladas pelo vírus da poliomielite. Então a gente tem já a circulação do vírus no Egito Antigo”, destaca Stefan Cunha Ujvari, infectologista e escritor.

O doutor Stefan estuda a história das pandemias. Depois do Egito Antigo, vieram outras: “o Império Romano foi a primeira vez que a gente teve um jeito ou um meio da gente unir os continentes, o norte da África e o continente asiático. Alguns agentes infecciosos que nasceram no continente asiático, eles puderam através da expansão do comercio, eles puderam ser levados para Europa. Dentro dessas pestes, a gente consegue caracterizar o sarampo e a varíola, que chegaram causando uma mortalidade importante”.

Muito séculos depois, varíola e sarampo aportaram nas Américas, no início da colonização. “A população dos astecas foi vencida com a ajuda da varíola, que chegou junto com os combatentes espanhóis. Da mesma maneira que a população inca, também foi vencido pela Pizarro com ajuda também da varíola e do sarampo”, destaca o infectologista.

Egito antigo, Império Romano, colonização das américas: a história humana é marcada por pandemias, várias delas causadas por vírus, mas os vírus estão na Terra desde muito, muito antes do homem.

Álvaro Pereira Júnior: Há quanto tempo mais ou menos que existem vírus na terra?

Stefan Cunha Ujvari: Não tem essa resposta. Mas são bilhões e bilhões de anos.

As bactérias também vêm dessa época. Mas elas são células com vários componentes. Já os vírus, minúsculos, não passam de material genético –DNA ou RNA– envelopado numa capa de gordura e proteína. Cabem cem milhões de vírus na cabeça de um alfinete. Vírus, em latim, significa aproximadamente líquido venenoso.

“Eles foram coevoluindo com os animais do planeta. De tal maneira que quando nós, os homo sapiens, apareceram, a gente já herdou vírus que já tinham aparecido lá atrás nos primeiros hominídeos da África”, afirma Stefan Cunha Ujvari.

O homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos. “E aí a gente herdou esses vírus que foram passando de espécie para espécie”, diz Stefan.

Os vírus são agressores sem vida própria. Eles precisam invadir células para se multiplicar. Os mais nocivos são os que sofrem mutações e passam dos animais para o ser humano. Como agora. O novo coronavírus muito provavelmente veio dos morcegos. “Os vírus mutantes dos animais é que eles acabaram originando algumas doenças no homem”, destaca.

Um documentário da BBC de Londres mostra em detalhes como é o ataque de um vírus a uma das 120 trilhões de células que formam o corpo humano.

Quando uma gotícula contendo vírus entra no organismo da gente, ela traz um exército que quer invadir nossas células. O objetivo de um adenovírus é entrar numa célula, assumir o controle, e se multiplicar 10 mil vezes. A consequência dessa infecção pode ser um resfriado, uma pneumonia, ou até a morte. Mas quando o vírus chega perto da célula, ele é recebido por uma nuvem de resistência: proteínas em forma de “y’ chamadas anticorpos. Que atacam os vírus para que os glóbulos brancos venham e devorem os invasores.

Mas se algum vírus escapa dessa primeira blitz, ele usa uma espécie de “chave falsa”, “engana” a célula e consegue entrar. Lá dentro, ainda existem outros mecanismos de defesa. Mas o vírus vence. E bota a célula para seguir as instruções não do próprio material genético dela, mas do material genético dele. A célula vira uma fábrica de vírus! E vai morrendo.

Mas nosso sistema imune ainda não se dá por vencido. Enquanto estava sendo invadida, a célula mandou um pedido de socorro para o restante do corpo. Graças a isso, quando os vírus recém-fabricados saem da célula para fazer mais ataques, chega uma nova tropa de defensores: mais anticorpos e mais glóbulos brancos, agora específicos contra esse vírus. É essa segunda linha de defesa que fica na nossa memória imunológica. Se tempos depois, o vírus tentar atacar de novo, a pessoa estará imune.

A descoberta de alguns desses mecanismos de defesa contra os vírus foi tão importante que rendeu, a um cientista australiano, o Prêmio Nobel em 1996.

Álvaro Pereira Júnior: É o prêmio mais alto da ciência. É o auge da carreira de qualquer pesquisador. Doutor Peter Doherty está em Melbourne, na Austrália. A gente vai conversar com ele sobre como ele chegou a essa descoberta e sobre o que o futuro reserva para a gente, depois dessa pandemia. Talvez nunca na história tantos cientistas de primeira linha, no mundo todo, se dedicaram, ao mesmo tempo, a um mesmo tema. O senhor acha que isso vai fazer diferença na rapidez para a gente sair dessa com uma vacina, ou um remédio?

Peter Doherty: Sem dúvida. Vai ser mais rápido do que em qualquer outra pandemia. Mas é preciso algum tempo, para saber se as vacinas ou remédios são seguros para os seres humanos. Desenvolver uma vacina é rápido, algumas já estão até em testes. É um esforço internacional, que está avançando rapidamente.

Álvaro Pereira Júnior: Por que, na juventude, o senhor se interessou por imunologia?

Peter Doherty: Eu me formei em veterinária, mas sempre quis ser pesquisador. Meu interesse sempre foi por doenças causadas por vírus. Aqui na Austrália, existe uma tradição científica nessa área. Nos anos 70, meu grupo fez uma grande descoberta sobre resposta imunológica.

Álvaro Pereira Júnior: Aos 79 anos, o senhor imaginou que, na sua vida, veria uma pandemia como esta?

Peter Doherty: Intelectualmente, eu sempre achei isso provável, mas lidar com essa realidade é muito diferente. No meu livro sobre pandemias, eu falo sobre a parte científica, mas não sobre as questões econômicas e sociais, que agora são tão importantes. E a gente aprendeu, com a gripe espanhola, que as cidades que se recuperaram melhor foram as que implantaram o distanciamento social mais rapidamente. Isso, já sabíamos, mas não tínhamos pensando em como transferir essa estratégia para o mundo do hoje, que é tão globalizado.

Álvaro Pereira Júnior: E para quem ainda duvida da seriedade dessa pandemia, o que o senhor tem a dizer?

Peter Doherty: Basta ler no jornal os depoimentos dos doentes. São terríveis. No começo, eu mesmo achei parecia que talvez fosse só uma gripe mais séria. Mas, quanto mais a gente aprende sobre a Covid-19, mais a gente vê que não tem nada a ver com gripe. A fase terminal é muito diferente. É um vírus ruim, perigoso. Se havia alguma dúvida lá no começo, isso acabou.

Os vírus e as bactérias, causadores de tantas epidemias, eram desconhecidos até o final do século 19. “Somente na década de 1870 a gente descobriu que eram as bactérias que causavam as doenças”, destaca Stefan Cunha Ujvari.

Quando a epidemia de gripe espanhola acabou, foram precisos mais 13 anos para os cientistas encontrarem o culpado: um vírus, hoje conhecido como H1N1. Mas, com a Covid-19, em poucas semanas já sabia qual era o vírus e qual sequência genética dele.

A corrida da ciência, agora, é para escrever um final feliz para este capítulo tão difícil da luta do homem contra os vírus –sobre a qual o doutor Stefan, infectologista e historiador, escreve. E que Peter Doherty, Nobel de Medicina, ajudou a desvendar.

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