Sou negro e cometo racismo contra negros. Sou como todos os brasileiros são. Fomos todos estruturados para sermos racistas com negros.
Por Dodô Azevedo Dp G1
Como todos os brasileiros, tenho dificuldades para perceber o meu racismo contra negros.
Como todos os brasileiros, costumo rebater e argumentar quando alguém nota que tive alguma atitude racista contra negros. Digo que eu sou negro, que minha família é negra, como pode, então eu mesmo ser racista com negros?
Depois, como a minoria do brasileiros, penso melhor. Como a minoria dos brasileiros, faço autocrítica. Como a minoria dos brasileiros, detecto em mim o racista com negros que sou quando relaxo. Como a minoria dos brasileiros, me torno menos racista a cada dia.
Em 1993, participamos, eu e o editor do jornal onde escrevia, um sujeito culto, militante, negro como eu, mas como eu visto por todos como “moreno”, de uma festa em homenagem ao grande filósofo francês Jean Baurdrillard, em São Cristóvão, bairro da zona norte do Rio de Janeiro. O tema da festa era “religiões afro-brasileiras”.
Todos de branco. Comidas típicas. Mas escolhidos a dedo, negros e negras vestidos em trajes típicos para nos servir. Fazíamos fotos com os negros que objetificados, decoravam o lugar em trajes típicos. Ninguém, nem meu editor, nem mesmo Baudrillard, percebeu que ali estávamos todos praticando racismo recreativo. Um dos muitos tipos de racismos que perseveram no Brasil ainda hoje. Se alguém, em 1993, nos alertasse, ficaríamos chocados e refutaríamos. Diríamos que nós mesmos somos negros, estudados, anti-racismo, temos pais e filhos negros, maridos e esposas negras. Como poderíamos estar praticando alguma forma de racismo, e justamente contra negros?
Não percebemos, em 1993, como não percebia-se, no século 19, que a prática teatral chamada black face era evidentemente racista com negros. Que os programas humorísticos brasileiros de TV até a década passada eram racistas com negros. Tempo, tempo, tempo, tempo, escreveu uma vez Caetano Veloso. Alguns de nós desenvolvemos uma melhor sensibilidade para o racismo contra negros. Alguns de nós sabemos detectar melhor. Alguns conseguimos enxergar nossas próprias estruturas. Alguns de nós se tornaram melhores editores de si próprios.