Educação e Poder: Como o Orçamento Público Define o Futuro

Richard Santos é escritor, pesquisador e docente na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) - Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Brasil

Imagine um Brasil onde a educação seja realmente para todos, onde crianças negras não precisem lutar diariamente contra a falta de recursos e oportunidades. Agora, pense no impacto de entender para onde vai o dinheiro da educação e como isso pode mudar a realidade da Maioria Minorizada. Parece algo distante? Não é, e essa compreensão é fundamental para transformar o cenário educacional brasileiro.

A educação sempre foi um campo de disputa no Brasil, permeado por interesses políticos, econômicos e ideológicos. Desde o período colonial, a quem deveria ser concedido o direito à educação foi uma decisão que refletiu a estrutura racializada e excludente da sociedade. Enquanto a elite branca tinha acesso à formação intelectual, a população negra foi historicamente impedida de estudar, consolidando desigualdades que se perpetuam até hoje. Durante o século XX, com a luta dos movimentos negros, a educação passou a ser um espaço de reivindicação por direitos e ascensão social, ainda que enfrentando barreiras estruturais.

A educação, portanto, nunca foi neutra. Como argumenta Paulo Freire, ela pode ser utilizada tanto para a manutenção das desigualdades quanto para a libertação dos oprimidos. No Brasil, a população negra ainda encontra obstáculos no acesso e permanência na escola, o que reforça a urgência de políticas públicas que promovam uma educação antirracista e reparadora. O ensino não pode apenas reproduzir o status quo, mas deve servir como um instrumento de emancipação e insurgência. A chave para essa transformação está na educação antirracista aliada ao conhecimento do orçamento público, garantindo que os recursos sejam utilizados de maneira equitativa para corrigir disparidades históricas.

A proposta do curso “Educar para Reparar: Orçamento Público e Educação Antirracista”, desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo (GP-PNC) da Universidade Federal do Sul da Bahia, em parceria com a UNEGRO (União de Negras e Negros pela Igualdade) e com apoio da SECADI-MEC, surge justamente com esse objetivo. O GP-PNC, que pode ser acessado por meio do site www.pensamentonegro.com.br, é um espaço de produção de conhecimento crítico e engajado na luta pela equidade racial e justiça social. A UNEGRO, por sua vez, atua há décadas como uma organização de base voltada para a mobilização política e o fortalecimento da população negra na sociedade brasileira. Essa iniciativa conjunta visa formar cidadãos, educadores e ativistas para que possam incidir criticamente sobre as políticas públicas educacionais, garantindo uma distribuição de recursos mais equitativa e uma educação verdadeiramente inclusiva.

Estudantes negros no Brasil enfrentam desafios imensos para permanecer na escola e acessar um ensino de qualidade. A evasão escolar entre alunos negros é significativamente maior do que entre brancos, refletindo desigualdades estruturais que se manifestam desde a educação infantil até o ensino superior. De acordo com o IBGE (2023), 71,6% das pessoas que não completaram o ensino médio são negras, enquanto essa taxa entre brancos é de 27,4%. Além disso, apenas 19,3% dos jovens negros entre 18 e 24 anos frequentam ou concluíram o ensino superior, enquanto a taxa para brancos é de 36%.

Os fatores que impulsionam essa disparidade vão além das condições socioeconômicas e se relacionam com a forma como o orçamento público é distribuído no país. Escolas situadas em regiões periféricas, majoritariamente frequentadas por estudantes negros, enfrentam falta de infraestrutura, materiais didáticos escassos e baixa qualificação docente, o que impacta diretamente o desempenho e a permanência desses estudantes. A ausência de políticas robustas para garantir um ambiente escolar acolhedor e com suporte social adequado reforça esse cenário de desigualdade.

A falta de controle social sobre a destinação dos recursos educacionais perpetua esse abismo educacional. Sem fiscalização e pressão popular, as políticas públicas tendem a manter a lógica de distribuição desigual, beneficiando grupos historicamente privilegiados. Dessa forma, compreender como os recursos são alocados na educação é um ato de resistência. Quando a população tem acesso a essas informações e entende os mecanismos financeiros do ensino público, torna-se capaz de exigir maior equidade e justiça na formulação e execução de políticas educacionais. Compreender como os recursos são alocados na educação é uma forma de resistência. Quando sabemos onde e como o dinheiro público está sendo gasto, podemos cobrar políticas mais justas e eficientes. Isso faz toda a diferença na vida de milhões de crianças e jovens negros que dependem da escola pública para sonhar com um futuro melhor.

A combinação entre educação antirracista e conhecimento sobre orçamento público é uma estratégia poderosa de transformação social. Se o racismo se estrutura por meio de políticas e da gestão dos recursos, sua desconstrução precisa ocorrer nesses mesmos campos. O desafio agora é mobilizar cada vez mais pessoas para entender, fiscalizar e exigir mudanças reais.

A professora Ana Célia Silva, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), destaca que “o racismo institucionalizado na educação não se manifesta apenas no currículo ou na ausência de representatividade, mas também na maneira como os recursos são distribuídos, reforçando um ciclo de exclusão.” Essa perspectiva reforça a importância da educação antirracista não apenas como diretriz pedagógica, mas como ferramenta de equidade estrutural.

Como dizia Abdias Nascimento: “Não podemos aceitar que a educação se torne um instrumento de opressão ou alienação. Ela deve ser a chave que desperta a consciência crítica e valoriza a identidade, sobretudo de um povo historicamente marginalizado.””Não podemos aceitar que a educação se torne um instrumento de opressão ou alienação. Ela deve ser a chave que desperta a consciência crítica e valoriza a identidade, sobretudo de um povo historicamente marginalizado”. A emancipação da Maioria Minorizada passa pelo conhecimento e pela ação coletiva. A educação antirracista e o controle do orçamento público são ferramentas indispensáveis para garantir uma sociedade mais justa, igualitária e verdadeiramente democrática.


Richard Santos é escritor, pesquisador e docente na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), com atuação nos programas de pós-graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais e em Estado e Sociedade. Coordena o Grupo de Pesquisa Pensamento Negro Contemporâneo e o programa de extensão Jornada do Novembro Negro. Doutor em Ciências Sociais pela UnB e pós-doutor em Cultura e Sociedade pela UFBA, Santos tem experiência como artista multimídia e publicou obras importantes sobre racialidade e mídia, como Maioria Minorizada e Branquitude e Televisão. É membro da INTERCOM e do Observatório do ODS 18.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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