Educação em tempo de paixões tristes

Críticas a Paulo Freire são fruto de obscurantismo

Por Ricardo Henriques, da Folha de São Paulo

O economista Ricardo Henriques, do Instituto Unibanco (Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo)

Vivemos tempos de paixões tristes. Inspirado no filósofo Baruch Spinoza (1632-1677), esse é o diagnóstico, feito pelo sociólogo francês François Dubet em seu novo livro “Le temps des passions tristes – Inégalités et populisme” (“O tempo das paixões tristes – Desigualdades e populismo”, em tradução livre).

O regime de desigualdades múltiplas produziu na sociedade contemporânea um campo de ressentimento dos indivíduos e de baixo reconhecimento sobre a importância das lutas coletivas para enfrentar desafios de vulnerabilidade social existentes. Nesse contexto, observamos o aumento da xenofobia em diversos países europeus e do preconceito e exacerbação do racismo em sociedades como a brasileira, conectados à negação da história e a um certo saudosismo de momentos de obscurantismo na sociedade. Isso alimenta um populismo crescente, polarizado e, evidentemente, irresponsável.

Uma das características desse populismo é o ataque ao conhecimento científico e às suas instituições. É nesse contexto que se inserem críticas falsas e grosseiras a nossas universidades públicas e a um dos mais influentes educadores do mundo: Paulo Freire. Referência internacional, Freire é estudado nas universidades mais conceituadas do mundo. Recebeu o Prêmio Unesco Educação para a Paz e foi reconhecido diversas vezes como doutor honoris causa e professor emérito por universidades brasileiras, norte-americanas e europeias.

Em sua trajetória, Freire produziu uma leitura de escola com fundamentos básicos para enfrentar o desafio social, entender o padrão de pobreza extrema do Brasil e destacar a necessidade de a educação ser um instrumento ativo de garantia de direitos e de redução da pobreza e da desigualdade.

Em vez de demonizá-lo, deveríamos reconhecer que temos Paulo Freire, um dos maiores pensadores em educação do mundo. E que, associado a outros pensadores e atores sociais, incluindo professores e diretores, fundamentais para o avanço do ensino-aprendizagem dos estudantes, podemos criar ações efetivas para que essa educação exerça sua função de desenvolvimento do cidadão e da sociedade.

O Educador Paulo Freire, durante entrevista em sua casa, na cidade de São Paulo. (Foto: Bel pedrosa/Folhapress)

Reconhecer a importância de Freire não significa que seja proibido discutir e até mesmo criticar sua obra. Esse exercício, quando feito de forma embasada e respeitosa, é motor da ciência, essencial para um diálogo construtivo que faça avançar nosso conhecimento de mundo. Entretanto, o que se vê a partir das atuais declarações contrárias a ele é que ainda há uma grande falta de conhecimento sobre sua obra, além da baixa visão da necessidade de transformação da sociedade. Julgam Freire a partir de pequenos extratos em jornais ou entrevistas, e não veem sua tradição de inovação na agenda educacional do mundo todo.

Como sempre, a educação deve ser o vetor de transformação da sociedade. A comunidade escolar é composta por atores fundamentais para o processo de reformulação de uma agenda baseada no compromisso com a garantia da aprendizagem de todos os estudantes e a redução das desigualdades, no entendimento da diversidade como fonte de riqueza, na garantia dos direitos humanos e na valorização do conhecimento científico.

E, a partir de obras como as de Paulo Freire, temos condições de montar um quadro analítico que, ancorado em evidências empíricas, seja capaz de combater o obscurantismo que se alimenta de nossas paixões tristes.

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