Eis a modelo que ousa desconstruir a imagem da mulher sexy

Ela é alta e magra, tem um rosto simétrico e é branca. Nos parâmetros da indústria da moda, uma mulher sexy. Cameron Russell chama a isto “lotaria genética” e, no seu caso, saiu vencedora. É modelo há mais de uma década e tem uma carreira sólida, principalmente no universo da lingerie. Mas no meio disto tudo é uma mulher altamente insegura e não tem vergonha de o admitir. Numa mini-palestra do palco TEDTalk, desmontou a palavra “aparência” e conta como é possível que uma miúda de 16 anos seja transformada numa sex symbol.

Por Paula Cosme Pinto Do Expresso

Enviaram-me ontem esta mini-palestra e não resisto a partilhá-la convosco. Não só porque é divertida, mas também porque dá que pensar ouvir esta descrição do poder da imagem vindo diretamente da boca de uma modelo, que vive precisamente desse poder. E para começar a desmistificá-lo, não há nada como um exercício simples: Russell entra em palco com um vestido preto ultra curtinho e de sapatos altos, mas enquanto fala com a audiência muda de roupa para uma saia comprida, sabrinas e camisola de malha. “Em menos de dez segundos mudei a visão que tinham de mim, certo?”.

VIDA REAL VS PRODUÇÃO FOTOGRÁFICA

“Para mim, ser destemida significa ser honesta. E estou neste palco porque sou modelo. Porque sou uma mulher branca, bonita e na minha indústria chamamos a isso ser uma rapariga sexy”. Mas isto de ser sexy, nos parâmetros da indústria da moda, não é para todas. Por exemplo, Cameron explica que em 2007 um estudo levou a que se percebesse que apenas 4% das modelos que desfilam nas maiores passarelas mundiais não fazem parte deste estereótipo a que ela pertence. Daí que fiquem muitas vezes na nossa memória, precisamente porque são uma exceção à regra.

Para que não restem dúvidas, frisa também que as suas fotos da vida real nada têm a ver com as que faz para produções de moda. Por exemplo, mostra uma das imagens que tirou ainda na adolescência, onde está agarrada a um homem em postura totalmente sexual, vendendo a imagem da mulher sedutora, fatal. Mas por essa altura, esta modelo nunca tinha tido sequer um namorado na vida. Alguém acreditaria ao olhar para aquela imagem? Russel fala ainda de cirurgias plásticas, de bronzeados falsos e de poses altamente estudadas, sem qualquer espontaneidade. “Espero que percebam que essas fotografias não são fotografias de mim, são construções feitas por um grupo de profissionais, por estilistas de cabelo, maquilhadoras, fotógrafos, estilistas e todas os assistentes e pré-produção e pós-produção. Eles constroem isto, mas isto não sou eu.”

“AS IMAGENS SÃO PODEROSAS, MAS TAMBÉM SÃO SUPERFICIAIS”

Posto isso, decide também alertar para a dimensão das inseguranças relacionadas com a aparência na adolescência, tantas vezes baseadas nestas imagens que pouco têm de real: “Quando pesquisava para esta palestra, descobri que das raparigas com 13 anos nos Estados Unidos, 53% não gostam do seu corpo, e esse número sobe para os 78% quando chegam aos 17 anos”. A estas miúdas – tal como a tantas mulheres adultas que vivem com a mesma insegurança – deixa a mensagem: “É fantástico viajar, e é fantástico poder trabalhar com pessoas criativas, inspiradas e apaixonadas. Isso é tudo verdade, mas é apenas metade da história. Porque o que nunca dizemos frentes às câmaras é que somos inseguras. E sou insegura porque tenho que pensar no meu aspecto todos os dias”.

Cameron aborda também o facto de a sua aparência já ter contribuído para ser perdoada, por exemplo, pela polícia em infrações no trânsito. “Estas coisas acontecem por causa da minha aparência, não por quem eu sou. E há pessoas a pagar por causa da aparência e não por quem são. Vivo em Nova Iorque, e no ano passado, dos 140.000 jovens que foram encostados e verificados, 86% eram de raça negra e latina, e a maioria homens jovens. E existem apenas 177.000 jovens de raça negra e latina em Nova Iorque, portanto, para eles, não é uma questão de, “Vão-me mandar encostar?” mas antes, “Quantas vezes me vão mandar encostar? E quando?”.

Numa apresentação que vale mesmo a pena ver, há uma frase que fica na memória e que pode resumir toda a mensagem desta modelo profissional. “As imagens são poderosas, mas também são superficiais”. Mesmo que esta apresentação não seja nova, é bom revê-la. E partilhá-la com quem ainda não percebeu que o mundo real não é aquele que se vê nas revistas.

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