“A ideia síntese que resume a candidatura de Dilma é inspiradíssima. E absolutamente clara, sem as idas e vindas de raciocínio que confundem o eleitor na campanha de seu principal oponente, José Serra, do PSDB”
Há quem reclame da falta de propostas mais concretas. Como abordará de fato a questão da segurança pública? Investirá mais em educação básica ou superior? Como será a gestão da saúde? Afinal, é a favor ou contra a legalização do aborto? Etc, etc, etc? Sobre esse ponto, a reclamação que caberia ao programa da candidata do PT, Dilma Rousseff, caberia ao programa de qualquer outro candidato: nenhum deles usa seu tempo para definir melhor suas propostas de governo. E, especificamente quanto à questão do aborto, Dilma, se vier a ser presidente, ficará tão em cima do muro quanto qualquer presidente: é questão espinhosa que só pode evoluir no espaço do Congresso Nacional, dificilmente um Poder Executivo empurrará esse debate.
A verdade é que os candidatos são embalados como se fossem produtos – um novo perfume ou sabão em pó – por suas equipes de publicitários e marqueteiros. Assim, seus programas eleitorais seguem a mesma linha do que acontece com qualquer anúncio publicitário. O apelo sustenta-se numa ideia síntese, que gere no consumidor uma relação direta com o produto vendido. E, nesse sentido, a ideia síntese que resume a candidatura de Dilma é inspiradíssima. E absolutamente clara, sem as idas e vindas de raciocínio que confundem o eleitor na campanha de seu principal oponente, José Serra, do PSDB.
A ideia síntese, consubstanciada no slogan da campanha de Dilma é “seguir mudando”. Ela é inspirada ao unir dois conceitos que, em princípio, seriam antagônicos. À primeira vista, se você segue, não muda. Mas seguir mudando pode significar não dar uma guinada brusca que pode ser desnecessária ou, mais do que isso, perigosa. É estabelecer que mudanças se iniciaram há oitos anos, no início do governo Lula, mas que elas não foram concluídas ao final do mandato. Assim, é preciso seguir no mesmo rumo para concluir as modificações e alcançar a transformação que se propôs. Os números das pesquisas que mostram a transferência da aprovação que se dá ao governo Lula para a intenção de voto em Dilma parecem demonstrar que essa ideia síntese vem sendo bem assimilada e aceita pelo eleitorado.
Dilma é apresentada no programa como a pessoa que gerenciou os projetos que possibilitaram essas mudanças. Ou seja, na lógica descrita pelo programa, ela é a pessoa que melhor compreendeu o que Lula pretendia e soube por em prática as suas ideias. Lula não pode mais ser presidente, porque a legislação não permite. Essa ideia também perpassa todo o programa. Mesmo Dilma parece aceitar sem problemas a seguinte sugestão: ninguém é melhor que Lula, mas ele não poderá mais ser presidente; assim, precisamos achar um substituto para ele que provoque o mínimo de prejuízo. Assim, ao longo desses anos em que esteve ao lado do presidente, Dilma sabe melhor do que ninguém quais são suas ideias e projetos. Já discutiu com ele o que precisa ser feito nos próximos anos. Basta a ela continuar fazendo o que já vinha: gerenciar e por em prática esse receituário. E vale, como ela começou a fazer, dizer que Lula estará ao lado dela. A ideia da garupa, que Serra usou no Jornal Nacional, não é ruim para Dilma. Passar a sensação de que Lula continuará ao lado dela só a reforça, não a enfraquece.
Finalmente, é bem bonito e funciona o jingle em que o cantor, como se fosse Lula falando para Dilma, diz: “Deixo em tuas mãos o meu povo”. Marina Silva, do PV, pode ter razão ao dizer que infantiliza o povo brasileiro falar de “pai” e de “mãe”. De fato, é a volta do chavão paternalista à moda de Getúlio Vargas. Mas é algo que funciona. E, à margem disso, o jingle não deixa nenhuma dúvida sobre quem é a escolha de Lula para sucedê-lo.
E é aí que falham tanto Serra quanto Marina quando querem tentar se colar à imagem do presidente. Não dá para um candidato de oposição querer surfar na popularidade do presidente. Ou um candidato de oposição assume que sua tarefa é combater o atual governo ou ele deixa de fazer sentido. Não tem lógica a ideia de que se pode criticar o governo preservando o presidente por medo de mexer na sua popularidade. Ou Lula tem responsabilidade pelo tipo de relação política que Marina critica, ou é o dedo dele que está por trás do aparelhamento político de instituições como os Correios, como protesta Serra, ou nada disso existe de verdade. Não dá pra criticar o Lula só de levinho, para não deixar mal o presidente e seus mais de 80% de popularidade. Nessa balada, Dilma só agradece. E segue. Mudando ou não.
*É o editor-executivo do Congresso em Foco. Formado em Jornalismo pela Universidade de Brasília em 1986, Rudolfo Lago atua como jornalista especializado em política desde 1987. Com passagens pelos principais jornais e revistas do país, foi editor de Política do jornal Correio Braziliense, editor-assistente da revista Veja e editor especial da revista IstoÉ, entre outras funções. Vencedor de quatro prêmios de jornalismo, incluindo o Prêmio Esso, em 2000, com equipe do Correio Braziliense, pela série de reportagens que resultaram na cassação do senador Luiz Estevão
Fonte: Congresso em Foco
{jathumbnail off}