Eleições 2020: “A mulher que chega ao poder é um ponto fora da curva”, diz especialista

Ampliar a representatividade das mulheres na política em Santa Catarina é um dos desafios para as Eleições 2020. Campanhas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e até mudanças na legislação foram feitas para possibilitar mais espaço a elas. Porém, não é algo que se mude em dois ou três anos. É preciso mais tempo, incentivo, mudança cultural, investimentos.

O que acontece é reflexo da posição hierárquica de subalternidade da mulher, estruturada ao longo dos séculos, segundo a professora nos programas de pós-graduação em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Sócio-Ambiental e de História da Udesc, Glaucia Assis.

– O espaço público foi construído como um espaço não adequado para as mulheres. Na denominação, se tinha como homem público aquele que ocupava cargos políticos. Já a mulher pública era o termo que se referia às prostitutas – explica Glaucia.

Os números provam que há espaço para as mulheres na política. Em Santa Catarina, apenas 15 ocuparam cadeiras destinadas aos deputados em 185 anos da Assembleia Legislativa de SC (Alesc). Em Florianópolis a representatividade feminina é ainda menor: em 300 anos, somente sete vereadoras foram escolhidas para o cargo – sem considerar as suplentes.

Aos analisarmos os resultados da última eleição municipal, em 2016, as mulheres representam apenas 13% dos parlamentares nas câmaras de vereadores do Estado. Significa que, dos 2.898 parlamentares eleitos, apenas 390 cadeiras foram ocupadas por mulheres nos últimos quatro anos. Nessa mesma disputa, 67 municípios catarinenses não elegeram uma única mulher para o cargo. Ou seja, 23% das câmaras de vereadores catarinenses não possuem uma única mulher como representante, embora o maior colégio eleitoral de SC seja feminino, com 52%.

A disparidade é ainda maior entre os prefeitos escolhidos para o cargo no mesmo ano, no Estado: elegeram-se 271 homens como chefe do Executivo nas cidades, contra apenas 24 mulheres – participação de 8%.

Para a doutora em Ciências Sociais, idealizadora e presidente da ONG Escola da Política, Vilma Aguiar, outro fator que contribui para a incongruência entre o número de mulheres e homens eleitos é a falta de visibilidade delas em posições de comando.

– A mulher que chega ao local de poder é um ponto fora da curva. Não estamos acostumadas. Mulheres que chegam a presidência, em todo o mundo, são raras. Se a eleitora média não está habituada a ver uma mulher na presidência da empresa, na reitoria, na igreja, se está acostumada a ver homens nessas posições, ela tende a achar que o ideal é votar em homem – aponta.

“Mulheres não tinham direito”

Luci Teresinha Koswoski Choinacki, a segunda deputada estadual eleita em Santa Catarina, em 1986, primeira mulher catarinense a ocupar o cargo de deputada federal, em 1990, e única mulher constituinte do Estado, bem sabe sobre a importância de representantes nos espaços políticos.

Luci Choinacki, segunda deputada estadual eleita em SC, lutou por direitos das mulheres(Foto: Diórgenes Pandini/DC)

– As mulheres não tinham direito, ninguém nos defendia. Ninguém falava bem das mulheres – conta, ao responder sobre os motivos que levaram a agricultora de uma pequena cidade do Extremo-Oeste catarinense às eleições estaduais.

Hoje com 65 anos, Luci conta que participava de pequenos grupos comunitários de mulheres, agricultores e religiosos quando sentiu uma grande necessidade em dar um passo à frente:

– Não tinha nenhuma intenção de representação institucional. O que queria era adquirir direitos mínimos de trabalho. E enfrentei todos os preconceitos que se pode imaginar por isso. Ouvi que meu lugar era na roça, em casa, que eu não tinha qualificação, mas não desisti.

De família de agricultores, buscou o seguro agrícola, como principal objetivo. Em seguida, já como deputada federal, não esqueceu das dificuldades que conhecia simplesmente por ser mulher: lutou pela aposentadoria e pelo salário maternidade.

– A mulher precisa ter compromisso social, compromisso com as outras mulheres. A gente não pode esquecer de onde vem, de quem somos. É preciso abraçar a causa – enfatiza.

Importância das mulheres na política

Nenhum direito foi dado de graça às mulheres, afirma a especialista Glaucia Assis, ao lembrar do movimento feminino que defendeu a extensão dos votos a todos.

– Não foi uma luta só para poder votar, mas pela participação na política, para ter voz, colocar as pautas ligadas exclusivamente às mulheres em discussão. Não por acaso, quando tem a primeira eleição com voto e possibilidade de representação femininos, entra a Antonieta de Barros (1934).

Para a professora da Udesc, quando as mulheres pensam nos direitos mínimos, quando pensam em expandir os espaços para que sejam ocupados por mulheres, ir às urnas se torna fundamental:

– A entrada delas implica num olhar com maior igualdade entre homens e mulheres. Elas que levam as discussões de saúde reprodutiva e de violência, por exemplo, à pauta. E essa é a importância das mulheres irem às urnas.

Maior proporcionalidade entre as candidaturas

Para tentar uniformizar as proporções na política e fazer com que as mulheres também estejam em maior número nas prefeituras e no parlamento, a legislação eleitoral tenta criar normas que possibilitem mais espaço às mulheres. A principal regra, existente desde 2009, é o percentual mínimo obrigatório de 30% de candidatura de um dos gêneros, normalmente o feminino.

A advogada Luiza Cesar Portella presta assessoria para partidos sobre campanha e as convenções. Segundo ela, nota-se dificuldade dos partidos em encontrar candidaturas viáveis para as eleições. As dúvidas mais frequentes dos partidos estão relacionadas às cotas – participação de 30% de um dos gêneros, geralmente mulheres.

– Quantos homens posso lançar diante do número de mulheres que estão dispostas a concorrer. Essa é a dúvida mais frequente – conta.

Outra exigência que entrou em vigor nas eleições de 2018, mas será aplicada pela primeira vez em eleições municipais para prefeito e vereador em 2020, é a destinação proporcional dos recursos públicos entre candidatos homens e candidatas mulheres, que deve ser fiscalizado com rigor, como promete a Justiça Eleitoral, para evitar as “candidaturas laranja” de mulheres – pessoas que emprestam os nomes para compor a chapa, mas não fazem campanha e nem utilizam recursos, em geral destinados às candidaturas masculinas.

– A legislação impõe essas mudanças para ver se há uma reação do aumento das candidaturas femininas. A gente tem notado que timidamente isso vem ocorrendo. Não na velocidade que a Justiça Eleitoral gostaria. Mas para isso é preciso que as próprias mulheres se engajem mais na política, participem da vida dos partidos e se lancem efetivamente candidatas. É um processo cultural, demanda um tempo, mas essas ações contribuem para isso – analisou o secretário judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, (TRE-SC), Maximiniano Simões Sobral.

E, embora seja um passo importante para forçar o aumento das candidaturas femininas, está longe de ser o ideal, segundo a doutora em Ciências Sociais Vilma Aguiar, que critica a estrutura patriarcal da maioria dos partidos:

– A população vota no que lhe é apresentado. E, na prática, temos um número muito reduzido de candidatas viáveis, que possam ter, de fato, participação, que possam se apresentar aos eleitores. Os partidos acabam lançando candidatas sem nenhuma representatividade, para dificultar a eleição. Então, mulher não vota em mulher um pouco por conta disso, porque essas candidaturas não são visíveis – avalia.

Linha do tempo: de Antonieta de Barros a Daniela Reinehr

1934 – A primeira deputada de SC

Nas primeiras eleições realizada com a possibilidade do voto feminino, Antonieta de Barros fez história como a primeira mulher negra a ser eleita deputado estadual no país. Integrava a chapa do Partido Liberal Catarinense, onde ficou com a primeira suplência, mas o mandato pela desistência de Leônidas Coelho de Souza, que não tomou posse. Em julho de 1937 chegou a presidir uma sessão legislativa, fazendo história mais uma vez. No mesmo ano, a decretação do Estado Novo por Getúlio Vargas fechou os parlamentos.

Antonieta de Barros (Imagem retirada do site )

1945

Com a redemocratização, Antonieta de Barros – desta vez pelo Partido Social Democrático (PSD, sem relação com o atual) tentou novamente uma cadeira na Alesc. Ficou com a segunda suplência, assumindo o mandato em 1948 e exercendo até o final, em 1951.

1958

Por três vezes, somando cerca de 180 dias, Ingeborg Colin assumiu a vaga de deputada estadual. Nas eleições de 1958, pelo antigo PTB, ela ficou com a primeira suplência. Era de uma família de políticos: o irmão João Colin também foi deputado estadual e prefeito de Joinville, enquanto o sobrinho Pedro Colin foi deputado estadual e federal.

1981

No final do regime militar, pela primeira vez uma mulher assumiu uma vaga senadora por Santa Catarina. Era Maria Shirley Donato, do MDB, segunda suplente de Jaison Barreto. Ficou menos de dois meses na vaga.

1986 – Única mulher constituinte de SC

Luci Choinaski deu fim a era das suplências. Pelo PT, conquistou uma cadeira de titular na Alesc e iniciou sua trajetória política marcada pelos vínculos com a agricultura familiar. Foi o primeiro mandato estadual conquistado pelos petistas catarinenses. Também foi a única mulher constituinete estadual.

Luci Choinaski(Foto: Diórgenes Pandini/DC)

1990

Angela Amin (PDS) e Luci Choinaski fazem história de novo ao serem as primeiras mulheres a se elegerem deputadas federais por Santa Catarina. Na eleição seguinte, em 1994, Luci tentou o Senado, mas acabou em terceiro lugar na disputa por duas vagas. A petista seria deputada federal novamente em 1998, 2002 e 2010, consolidando uma das trajetórias mais longevas de uma mulher na política do Estado.

Angela Amin(Foto: Tiago Ghizoni/Arquivo DC)

1994

Angela Amin, na época deputada federal pelo PPR, alcança o segundo turno nas eleições para o governo do Estado. Foi derrotada por cerca de 40 mil votos por Paulo Afonso (PMDB) em uma disputa acirrada. Foram 1,24 milhão de votos que fizeram dela a mulher mais votada da história de SC.

1996

Depois da derrota na disputa pelo governo, Angela Amin (pelo PPB) marcou seu nome na história como a primeira única a ser eleita prefeita de Florianópolis. Quatro anos depois, em 2000, seria reeleita ainda no primeiro turno – marco ainda único na política da Capital desde a implantação das duas votações.

1998

Pastora evangélica, Odete de Jesus foi eleita para o primeiro de seus três mandatos como deputada estadual pelo PPB (hoje PP).

Odete de Jesus(Foto: Flávio Neves/Arquivo NSC 2005)

2002

Deputado estadual em segundo mandato, Ideli Salvatti (PT) surpreende os favoritos e é a primeira e até hoje única mulher eleita senadora por Santa Catarina. Com duas vagas em disputa, ela é a mais votada, com pouco mais de 1 milhão de votos – impulsionada pela onda eleitoral da primeira eleição de Lula (PT) como presidente. No Senado, seria uma das principais apoiadoras do governo petista. Foi ministra de diversas pastas no governo da presidente Dilma Rousseff (PT) e tentou voltar ao Senado em 2018, ficando em sexto lugar na disputa por duas vagas.

Ideli Salvatti(Foto: Tiago Ghizoni/Arquivo DC 2018)

2006

Pela primeira vez são eleitas três mulheres para vagas na Assembleia Legislativa: Ada de Luca (PMDB), Ana Paula Lima (PT) e Odete de Jesus (PL).

Ada de Luca(Foto: Tiago Ghizoni/Arquivo DC 2018)

2010

Angela Amin (PP) e Ideli Salvatti (PT) são candidatas ao governo. Elas saem na frente nas pesquisas, mas acabam ultrapassadas por Raimundo Colombo (DEM), que vence ainda no primeiro turno.

2018 – Maior participação feminina na política estadual

Santa Catarina elege pela primeira vez uma vice-governadora, Daniela Reinehr, pelo PSL. A participação feminina na política estadual vive momento histórico com a eleição de suas maiores bancadas legislativas.

Na Câmara dos Deputados são quatro mulheres: Angela Amin (PP), Caroline de Toni (PSL), Carmen Zanotto (PPS) e Geovânia de Sá. Na Alesc, são seis: Ada de Luca (MDB), Ana Campagnolo (PSL), Luciane Carminatti (PT), Marlene Fengler (PSD) e Paulinha (PDT).

Daniela Reinehr(Foto: Julio Cavalheiro, Secom)

2019

Em janeiro de 2020, por 14 dias, Santa Catarina é pela primeira vez governado por uma mulher. Daniela Reinehr assumiu interinamente o governo durante as férias de Carlos Moisés (PSL).

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