Em carta a Bolsonaro, Anistia Internacional diz que decreto das armas pode aumentar homicídios

Representantes da organização estão em Brasília; documento deverá ser entregue aos ministros Santos Cruz e Damares Alves

por Marco Grillo no O Globo

A diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas (à esquerda), e a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck ( à direita)
A diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas (à esquerda), e a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck ( à direita) Foto- Jandira Queiroz : Anistia Internacional

Em carta direcionada ao presidente Jair Bolsonaro , a Anistia Internacional afirma que a flexibilização da posse e do porte de armas atenta “contra as garantias do direito à vida” e poderá provocar o aumento no número de homicídios no Brasil. O documento, apresentado nesta terça-feira, em Brasília, também traz críticas à expansão do conceito de excludente de ilicitude, proposto no pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), e a outras políticas do governo, relacionadas a drogas, demarcações de terras indígenas, entre outros pontos.

A diretora da Anistia Internacional para as Américas, Erika Guevara-Rosas, e a diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, tentaram marcar uma audiência com Bolsonaro, mas ele designou a ministra Damares Alves (Família, Mulher e Direitos Humanos) para recebê-las – o encontro deve acontecer até quinta-feira. A expectativa é que o ministro Santos Cruz também receba as representantes da entidade, enquanto Moro e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, já informaram que não têm agenda disponível para o encontro.

Compra de fuzis por cidadãos comuns

Uma das recomendações expedidas pela carta é a revogação do decreto que ampliou para 20 categorias profissionais o direito ao porte de arma e permitiu, inclusive, que cidadãos comuns possam comprar fuzis . A carta afirma que o decreto pode “aumentar a letalidade das ações da polícia” e fazer com que “pequenos conflitos ou crimes sejam intensificados pela presença de armas de fogo”. As consultorias da Câmara e do Senado já identificaram ilegalidades no decreto, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avalia colocar em votação um texto que derrubaria as medidas, caso o governo não faça mudanças no que já foi determinado.

– Há uma preocupação com a ampliação indiscriminada (do porte de armas), que pode significar maior vulnerabilidade. Não acreditamos que se resolverá o problema da segurança pública com mais armas, porque elas não significam garantia de vida para ninguém – afirmou Jurema Werneck.

Excludente de ilicitude

A possibilidade de que policiais não sejam punidos caso cometam crimes, em legítima defesa, motivados por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” também é motivos de críticas da Anistia Internacional. Ainda dentro do pacote anticrime, o organismo considera que a ampliação do conceito de organizações criminosas pode servir de escudo para que movimentos sociais e entidades da sociedade civil sejam enquadradas na legislação.

– Tentar mudar o conceito de legitima defesa policial com conceitos vagos e definições pouco claras das condições que permitem defesa pessoal, como medo e surpresa, que são muito subjetivos, coloca em risco a vida das pessoas. Principalmente no contexto em que execuções extrajudiciais já são realidade, e a medida, se for implementada, pode aumentar execuções cometidas pelas forças policiais – disse Erika Guevara-Rosas.

A diretora da Anistia Internacional para as Américas acrescentou que a “retórica antidireitos” apresentada por Bolsonaro durante a campanha eleitoral está se desdobrando em políticas públicas:

– A retórica do governo do presidente Bolsonaro é de suma preocupação, porque não só ameaça o progresso das últimas décadas, graças aos defensores dos direitos humanos, como abre a possibilidade de haver um regresso ao período histórico do país em que violações a direitos humanos se normalizavam.

A Anistia Internacional também critica a transferência da demarcação de terras indígenas para a Funai – alteração foi desfeita em comissão do Congresso, mas ainda está em vigor –; o decreto que permite ao governo “supervisionar” a atividade de organizações da sociedade civil; a política antidrogas que privilegia comunidades terapêuticas; a suspensão do trabalho do grupo de antropólogos que analisava os restos ósseos encontrados no cemitério de Perus; e o posicionamento crítica do governo brasileiro sobre o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.

– Caso (todas) as medidas (do governo) sejam colocadas em prática, vão significar grave ameça e violações de direitos humanos de muitas pessoas, populações e grupos do Brasil – reforçou Jurema Werneck.

Em nota, o Ministério das Relações Exteriores informou que “buscará o diálogo com a Anistia Internacional e demais entidades de direitos humanos para demonstrar que nenhuma das afirmações da nota condiz com a sua atual política”.

“O Brasil segue em seu firme propósito de demonstrar, por meio de ações efetivas, que tem entre suas prioridades de Estado o respeito e o fomento de ações de promoção de direitos humanos”, diz a nota.

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