Em meio ao caos urbano de tantas cidades brasileiras somente uma coisa é certa: nos sábados de manhã seremos sempre agraciados – quando pararmos nos sinais – por simpáticas adolescentes que virão nos entregar folhetos de lançamentos imobiliários.
Por Ana Claudia ANA Vargas Do Espaco a Cademico
É assim em São Paulo ou Belo Horizonte e até em cidades medianas. Parece que distribuir folhetos desse tipo nos faróis é bastante vantajoso para as construtoras. Mas essa ‘vantagem’ não existe, é claro, para as próprias meninas – que ficam ali, sob o sol, expostas aos perigos representados por motoristas dos mais variados ‘naipes’ – nem para o meio ambiente – porque o destino de tantos papeis a gente já sabe qual será (e viva a reciclagem!).
Mas não é por aí que quero ir e sim por um caminho que não apresenta nenhuma vantagem já que podem considerar isso aqui desnecessário, redundante, requentado, antiquado e até (nunca se sabe), esquerdista (pois hoje em dia interpretação de textos é quase uma virtude).
Mas confiando também que talvez ninguém se disponha a ler porque é certo que gente muito mais preparada já escreveu sobre isso e nenhum furor foi instaurado porque, afinal, não se trata de um texto sobre os males do funk, do refrigerante ou do facebook…
Pois, apesar disso, esse é assumidamente um texto sobre a chatice que é ver em todos esses folhetos de lançamentos de imóveis – não importa em que cidade estejamos – o mesmo palavreado imobiliário-marqueteiro escrito em inglês.
E é porque recebi folhetos desse tipo na semana passada e vi essa mesma propaganda de sempre repleta de palavras como ‘downtow’, ‘business’, ‘living’, ‘gourmet’, ‘club house’ e por aí afora é que quis escrever isso. Estava lá o mesmo e raso marketing que parece ser padrão quando se trata disso, as tais imagens ‘meramente ilustrativas’ dos apartamentos, as caras mais que felizes das pessoas lindas e bem vestidas que posam de futuros moradores (espera-se que sejam todos bonitos e magros e brancos, bem entendido) e as indefectíveis palavras… em inglês, é claro.
Jogo perverso
O fato é nem vale a pena esticar o assunto e sei ainda que pareço uma pessoa extremamente atrasada para os padrões modernosos e gananciosos que guiam o mercado (não somente o imobiliário, como bem sabemos). Você sabe tanto quanto eu que a economia do mundo não está numa fase assim, entusiasmante (não; não é só aqui no Brasil, ok?). Vide a atual crise grega, há alguns anos, a espanhola; e anos anteriores, a argentina… Então, é certo que as construtoras precisam de todo essa publicidade para que possam vender seus empreendimentos e atrair compradores, pois é assim que funciona o capitalismo e se estamos nisso, é assim que se joga, certo?
O meu desagrado não está relacionado às regras do jogo porque, afinal, é preciso que haja construções para que haja empregos para que a roda continue girando (ainda que não saibamos até quando ela vai aguentar).
Sim: eu lamento profundamente que as cidades grandes e medianas não tenham mais áreas verdes e que esse mercado atue de uma forma que pareça privilegiar sempre e somente o povo das classes A e B (basta ver a cara dos ‘modelos’ nas fotos), mas em meio às tantas outras questões humanas não resolvidas, o meu lamento por isso não ecoará em parte alguma. (Mas devo, sim, escrever isso: que pena eu sinto das pessoas que trabalharão a vida inteira e nunca poderão morar em apartamentos confortáveis como esses que se estampam nos tais folhetos, o que cabe a elas serão sempre os cubículos em bairros distantes).
Mas, pedindo que perdoem tantas digressões, vou finalizando tentando voltar ao ponto anterior: minha birra com o inglês, minha birra com essa mania que as construtoras têm de achar que botando palavras em inglês tudo parecerá mais sofisticado e desejável, mais bonito, limpo e charmoso.
A pergunta simples é: porque esse desapreço tão grande pela língua portuguesa? Saibam que essa mania de inglês (e o pior: o mau uso que se faz dele) tem o efeito contrário: vocês estão passando um atestado de mediocridade e desconhecimento de seu próprio país e quem não conhece seu país, seu povo, sua cultura, é certo que não poderá construir o que quer que seja pensando nas pessoas que moram em seu país. Bom, mas quando se sabe que o público alvo é outro, faz algum sentido a ‘coisa’ toda.
Entendam: eu não sou contra os Estados Unidos, Inglaterra ou os demais países que tem o inglês como idioma oficial; e sim, eu sei o quanto é importante que se saiba inglês (e outros idiomas) para que portas profissionais e acadêmicas sejam abertas. O que eu humildemente gostaria era de, no sábado de manhã, receber folhetos imobiliários nos quais estivessem escritas palavras na língua oficial do país em que nasci: o Brasil. E eu também queria e repito, humildemente, é que as pessoas que atuam nesse mercado – desde os que projetam e constroem aos que fazem a divulgação – começassem a trocar o palavreado em inglês por palavras como ‘casa’, ‘jardim’, ‘cozinha’, ‘sala de estar’, porque isso soaria verdadeiramente genuíno, sincero e atraente.
E, sim: eu também sei que as escolas de publicidade/comunicação se desenvolveram baseadas, sobretudo, em documentos estrangeiros e é natural que isso se reflita nesses folhetos e panfletos, bem como nos variados produtos elaborados nos meios jornalísticos, publicitários e ‘marqueteiros’ em geral. Mas, essa ‘mania’ de optar sempre pelo inglês que atravessa literalmente ‘tudo’ – desde o nome da lojinha de bairro até daquela marca sofisticada e famosa – e que parece inofensiva, na minha opinião, tem consequências nefastas, pois confere ao Brasil e a nós todos que nascemos e moramos aqui uma eterna pecha de colonizados/apequenados; de um povo que sequer sabe valorizar o próprio idioma que sai de sua boca e que só se valoriza (mal) quando escolhe nomear seu negócio, seu empreendimento do que quer que seja com palavras da língua inglesa (que por sua vez, representam uma outra cultura que agrega outros significados e por isso parecem tão deslocados nesses folhetos e onde quer que os coloquem). Essa mania, aliás, beira o ridículo e já está mais do que datada. Gostaria muito que um especialista em linguística escrevesse sobre esse tema – associando-o à sociologia e cultura, por exemplo – pois eu queria mesmo saber, lendo alguém mais capacitado, se essa minha ‘birra’ tem algum fundamento. Alguém se habilita?