Ainda acredito que a técnica – conjunto de procedimentos para a boa realização de algo – é atributo providencial em qualquer profissão. No meu caso, me esforço estoicamente para observar e praticar o melhor arranjo das palavras em cada frase.
Por Fernanda Pompeu Do Fernanda Pompeu
De forma semelhante, uma pintora tem que conhecer a anatomia das linhas e a gramática das cores. O que distingue uma cozinheira boa de uma cozinheira comum é principalmente o repertório de técnicas que a primeira detém e põe nas suas panelas e frigideiras.
Mas houve um tempo em que pensei que a técnica era tudo. O pulo do gato, o salto para o sucesso, a excelência. Fosse para que página eu olhasse, imaginava jogos de palavras. Procurava adjetivos inusitados para modificar substantivos: mar amarelo, céu finito, estrada líquida, dor alegre. Cheguei a construir um romance (assim o chamei) com formalismo exacerbado.
Nele, expus palavras desconhecidas do dia a dia da maioria dos leitores. Caprichei para dificultar cada frase. O resultado foi uma incomucabilidade retumbante! Dessas em que a gente ouve o silêncio dos amigos e o sorriso dos inimigos. Passei os anos seguintes com o martelo da pergunta batendo nos pregos da cabeça: Onde foi que eu errei?
Foi a vida quem deu a melhor resposta. Também a mais prática, a mais simples, a mais exata. Ela me escancarou que o engano foi pôr a técnica acima dos sentimentos, supor que a forma antecedesse o conteúdo. Quando na real é o contrário. É o tema quem dita a forma.
Pude enxergar que a busca obsessiva pela aparência quase embotou a autenticidade do mar azul, céu infinito, estrada de terra, dor que não se adjetiva. Descobri isso no momento em que escrevi a palavra flor sem pudor, em que troquei o pomposo nós pela intimidade do a gente.
A partir dessa mudança de postura, leitores passaram a se comunicar melhor comigo. Pois perceberam que eu falava para eles de coisas doídas ou risonhas, excepcionais ou banais. Mas todas elas vinham carregadas de sentimentos.
No último 25 de abril deste ano, completou 2 anos que perdi meu cachorro Chico. Ele foi meu companheiro cotidiano por 16 anos. Fiz as contas na calculadora: 5.840 dias compartilhados. Hoje a presença dele, na casa e em mim, é a sua ausência.
O sentir dessa perda – assim como ocorreu com a morte do meu pai em 10 de novembro de 2013, assim como ocorreu com desaparecimento de outros seres queridos – é a alma por trás da escrita. Alma que sussurra que o tamanho da dor corresponde à intensidade do amor vivido. Foi a confirmação de que técnica é apenas procedimento. Essência são as emoções.