Autonomia de articulistas em portais de notícias x isenção dos portais

As recentes reações negativas ao texto “Foi avanço, não retrocesso” de Flávia Oliveira, publicado no portal Geledés, me levaram a pensar na tensão entre a autonomia de articulistas em portais de notícias x isenção dos portais na veiculação dos artigos. Mais ainda quando se trata de um portal calcado no ativismo político, como o Geledés.

Por Cidinha da Silva em seu blog 

Flávia Oliveira, jornalista de economia é, originalmente, articulista de O Globo e costuma ter seus artigos reproduzidos no portal Geledés. Desta feita, deu prosseguimento ao debate sobre os direitos das mulheres na reforma previdenciária e deixou muita gente descontente, pois, leitoras e leitores indignados do portal não consideram a possibilidade de discutir reformas com o (des) governo Temer. Só aceitam debater ampliação de direitos, sem qualquer retrocesso.

Flávia Oliveira havia publicado no mesmo portal, texto anterior sobre o tema em que defendia a necessidade de tratamento diferenciado entre homens e mulheres, entre áreas rural e urbana para efeitos de aposentadoria. De certa forma ela continuou o assunto no artigo em questão argumentando que as alterações ocorridas no projeto de lei avançam em relação ao texto original da reforma e atribuiu isso à pressão social. Na resposta positiva a esta pressão residiria o avanço, segundo seu argumento.

Ocorre que no calor do debate político a posição técnica com pretensões de isenção cheira à perspectiva dos isentões, esse tipo acovardado e oportunista que trombamos pela rua a todo instante. Os isentões têm lado, obviamente, aproximam-se por exemplo do discurso de Miriam Leitão, colega de Flávia Oliveira que produz a pérola isentona: “A reforma trabalhista não resolve os inúmeros problemas do mercado de trabalho, mas dá passos importantes”.

Quais? Talvez, a aprovação do seguinte ponto: “Gestantes e quem está amamentando poderão (sic) trabalhar em ambientes insalubres se isso for autorizado por um atestado médico. No caso das grávidas, isso só não será possível se a insalubridade for de grau máximo”.

De volta ao texto de Flávia Oliveira, a questão é que interpretaram a posição da articulista como posição do portal Geledés e todas as críticas se dirigiram a ele, o portal. Não me disponho aqui a discutir a fundo a perspectiva de Flávia Oliveira, analista econômica que me ajuda muito a entender os processos da economia brasileira, interessa-me a leitura que fizeram de uma articulista confundindo-a com a voz de um portal. Pergunto-me se em outros portais de notícias, cuja verve ativista não seja tão forte (e tão negra) quanto o Geledés, esse tipo de troca da parte pelo todo se daria de maneira tão incisiva.

O portal me parece primar pelo propósito de reverberar para o público negro e, de um modo geral, para a opinião pública, a presença e a diversidade de vozes e pensamento das mulheres negras na cena política, cultural, artística, econômica, sobre as coisas do mundo, enfim. Flávia Oliveira, eu e tantas outras estamos nesse barco, seguimos essa toada.

Parece-me que ocorreram três questões: a primeira é que o título do artigo não foi feliz (Foi avanço, não retrocesso). Ficou parecendo clichê de assembléia de partido ou sindicato e caiu como nitroglicerina em estômagos já fragilizados por tanta coisa indigesta imposta por Temer e seus asseclas. De cara, as pessoas que não acham possível dialogar com esse desgoverno (este é o segundo ponto) criaram uma indisposição ao que viria depois e ficou muito fácil ler o texto de maneira atabalhoada e juntar o descontentamento com a escrita e seus argumentos pouco convincentes do ponto de vista político, ao fato de Flávia ser articulista de O Globo e de Geledés, por via de conseqüência, veicular a “opinião vendida” desse veículo de sustentação do golpe 2016. Não foi feita também pela autora, uma referência direta ao texto anterior que situaria melhor o leitor de oposição e poderia resguardá-la das críticas mais fervorosas e pouco argumentativas.

A terceira questão é técnica. O portal precisa encontrar uma forma para que, quando as matérias forem divulgadas e “printadas” o nome da/do articulista apareça colado ao texto. Assim não haverá risco de que alguém leia um texto qualquer como opinião da instituição, porque, aparentemente assinado por ela. Isso, obviamente, não exime o portal das interpretações que queiram colar opiniões discordantes do interprete à instituição Geledés, no afã de desqualificá-la. Esses são outros quinhentos sobre os quais portal algum poderá ter ingerência.

+ sobre o tema

Quilombolas pedem maior participação em debates sobre a COP30

As comunidades afrodescendentes e quilombolas pedem mais espaço nos...

Imposto de Renda 2025: prazo começa nesta segunda; veja mudanças e quem precisa declarar

O prazo para entrega da declaração do Imposto de...

Tribunais dizem que Trump não é rei

Na política ninguém renuncia ao poder voluntariamente. Essa premissa...

Musk sugere anistia para policial que matou George Floyd

O bilionário Elon Musk sugeriu repesar a condenação da...

para lembrar

Barbosa pede para STF divulgar voos em aviões da FAB

Sugerido por Sorano Do STF Presidente do STF...

Lula vai ao México para receber prêmio internacional

Ex-presidente será homenageado por trabalho em prol da redução...

Brasil cai nove posições em ranking de igualdade entre sexos

  O Brasil caiu nove posições no ranking global de...

Redução da jornada de trabalho ajudaria quebrar armadilha da baixa produtividade?

Exemplos de países desenvolvidos não dizem muito sobre qual seria o efeito da implementação de uma redução da jornada de trabalho no Brasil. A explicação...

A escalada das denúncias de quem trabalha sob calor extremo: ‘Imagina como ficam os trabalhadores soldando tanques’

Na segunda-feira (17/2), enquanto os termômetros de São Paulo batiam nos 34°C — maior temperatura do ano e deste verão para a cidade — o procurador...

Governo divulga ações para lideranças religiosas de matriz africana

O Ministério da Igualdade Racial (MIR) apresentou para lideranças religiosas do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira (15), a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro...
-+=