É uma doença que afeta mulheres em todo o mundo, mas que é ainda muito desconhecida. Mascarada pelos sintomas aparentemente “normais” da menstruação, pode ser uma causa de infertilidade.
Do Observador
A endometriose é uma doença que afeta cerca de uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva, e que a maioria das vezes tem um diagnóstico difícil. É mascarada por cólicas e dores intensas, que na maioria das vezes são encaradas como culpa “daquela altura do mês” ou ainda “daqueles problemas de mulheres”.
A maior parte das mulheres que sofrem de endometriose acaba por não receber a assistência clínica atempada e necessária, já que os sintomas são também ignorados pelos médicos, que não os reconhecem (ou não estão sensibilizados para esta doença), passando por vezes muitos anos até que a patologia acabe por ser identificada. Durante esse tempo, as mulheres podem sofrer com dores bastante severas e serem incapazes de trabalhar, socializar ou manter uma relação sexual. Esta doença pode ainda ser uma causa de infertilidade, avança o The Guardian.
A endometriose é uma doença em que tecidos similares ao endométrio (que reveste o útero) estão presentes fora dele, na região pélvica, abdómen, ovários, bexiga ou intestinos, provocando dores agudas, por vezes confundidas com cólicas menstruais.
A diretora da Fundação de Pesquisa Mundial de Endometriose e da Sociedade Mundial de Endometriose, Lone Hummelshoj, considera que é um “grande escândalo” a falta de financiamento para uma doença que afeta tantas mulheres.
A endometriose afeta as mulheres no auge da sua vida. Não é uma doença que começa anos mais tarde. Ela ataca adolescentes, jovens mulheres que deviam estar a ser ativas, a trabalhar, a ter filhos, a fazer sexo, ao passo que 50% delas estão a lutar contra ela, já que é muito dolorosa”, disse.
Muitas mulheres contam que os sintomas são ignorados pelos próprios médicos. O The Guardian fez um inquérito e muitas das inquiridas responderam que os médicos acreditavam que tudo aquilo podia não passar de uma obsessão. Uma delas, Niki Dally, do Reino Unido, contou que começou a sofrer de endometriose desde os 11 anos e que a sua mãe achava que ela era hipocondríaca. “Um médico disse-me: ‘isso está na tua cabeça e tens de saber lidar com isso’”, acrescentando que lhe prescreveu medicamentos para as náuseas e vómitos.
Uma trabalhadora do Centro de Endometriose, Heather Guidone, em Atlanta, contou que ela própria já passou por 22 operações face a uma endometriose severa e acrescenta que continua a dizer-se às mulheres que é suposto sofrer aquele tipo de dores. Um conjunto de clichés, que continua a envolver as questões da menstruação.
“As pessoas que temos entrevistado nunca ouviram falar dela [da doença]”, afirmou a chefe-executiva do centro de endometriose no Reino Unido, Jane Hudson Jones, acrescentando que pode ser uma doença devastadora.
Ela pode afetar praticamente todas as áreas da sua vida, o trabalho, a carreira, as relações e a fertilidade”, disse.
Um outro testemunho revela as consequências negativas da doença. Carol Pearson conta que teve de desistir da carreira, porque acontecia estar doente muitas vezes. Fez várias cirurgias à bexiga, intestinos, que não cicatrizaram bem e que deram origem a várias idas ao hospital. Tinha dores menstruais desde os 11 anos de idade e demorou cerca de 20 a chegar ao diagnóstico. As relações sexuais com o seu marido eram dolorosas e só quando começou a sangrar bastante é que percebeu que a doença já estava num estado muito avançado.
A única forma de diagnosticar a endometriose é através de uma cirurgia, geralmente por laparoscopia — técnica em que são utilizados “tubos” através dos quais são introduzidos vários instrumentos no abdómen. Nos casos mais graves a remoção do tecido pode ser bastante difícil, já que pode envolver órgãos como os intestinos e bexiga. Ainda assim, Lone Hummelshoj considera que mesmo os casos mais graves podem ser tratados desde que as mulheres tenham acesso a cuidados especializados. “Infelizmente a cirurgia é tão especializada como uma cirurgia de cancro”, disse.
Um especialista australiano, Geoff Reid, defende que a doença pode estar a evoluir num sentido mais agressivo e conta que lhe chegam cada vez mais casos, em jovens mulheres de 20 anos. “Todos temos parentes sem filhos e tenho a certeza que muitos são e foram afetados por infertilidade relacionada com a endometriose”, afirmou Reid.
O ginecologista belga Thomas D’Hooghe apontou, num estudo em 2008, que a endometriose pode mesmo ser um grande fator de infertilidade. A sua equipa realizou cerca de 221 laparascopias a mulheres inférteis, cujos sintomas não eram óbvios. Os resultados revelaram que as mulheres apelidavam de “normal” a dor durante a menstruação. Cerca de 47% delas tinham endometriose e 40% estavam numa fase avançada da doença.
Os cuidados a que as mulheres têm acesso variam de país para país e, sobretudo, daquilo que cada sistema de saúde está disposto a pagar pelo tratamento. Nos EUA, as companhias de seguros pagam o mesmo montante para qualquer cirurgia à endometriose, independentemente do método ou da extensão da doença. Já nos países pobres, o reconhecimento da doença nem sequer existe.
A plataforma global Endometriosis.org tem um vídeo explicativo sobre os sintomas e tratamento desta doença:
Investigadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estão a analisar o genoma das mulheres com endometriose, fazendo uma comparação genética com aquelas que não a possuem para perceber melhor a patologia, que se verifica em cerca de 50% através de herança genética.
“Precisamos de um grande número de casos, maior do que o que temos”, afirmou a professora de epidemiologia reprodutiva, Krina Zondervan. A equipa de Zondervan e o ginecologista Christian Becker promoveram uma iniciativa global que permitisse que outros investigadores por todo o mundo recolhessem mais dados para as pesquisas, contudo, o financiamento é curto, o que dificulta a investigação da endometriose, uma doença silenciosa e que afeta milhões de mulheres em todo o mundo.