Tuberculose na Rocinha expõe o Brasil que estacionou no século XIX

Favela do Rio de Janeiro tem uma das maiores taxas de incidência da doença no país

Por FELIPE BETIM, do El Pais

O sol forte que ilumina o Rio de Janeiro não chega na casa de Maria Irenice Silva, moradora da favela da Rocinha de 30 anos. Ela vive com a pequena Maria Victoria, sua filha de dois anos, em um cubículo no chamado “beco dos malucos”, onde a sombra é permanente e a única iluminação vem das lâmpadas automáticas instaladas do lado de fora —inclusive ao meio-dia de um sábado de agosto. Sua casa é térrea, embaixo de várias outras, e fica no final da descida dessa estreita passagem. O forte cheiro de mofo, que cobriu todas as paredes ao longo dos anos, talvez décadas, se mistura com o da vala de esgoto que corre do lado de fora. O teto é baixo. A única janela, minúscula, está fechada com uma toalha para que os ratos não entrem à noite, e um antiquíssimo ar-condicionado Consul ligado permanentemente dá conta da ventilação. Mas o oxigênio mal entra no pulmão.

“Nice”, como é conhecida entre as dezenas de vizinhos que vivem praticamente grudados lado a lado nesse beco, é uma das mais de três centenas de pessoas que têm tuberculose na Rocinha. Trata-se de uma doença infecciosa, transmitida pelo ar, causada por uma bactéria (bacilo) que afeta principalmente os pulmões —os ossos e o sistema nervoso também podem ser atacados. Perda de apetite, tosse por mais de três semanas, irritação e cansaço são alguns dos sintomas, que podem ser confundidos com uma pneumonia ou gripe comum. Ainda que seja tão antiga quanto a colonização portuguesa no Brasil e tão esquecida pela população e até por profissionais da saúde, a tuberculose está longe de ser eliminada porque se trata, principalmente, de um problema social, histórico e urbano. O tratamento é acessível e a cura é possível. O problema é a prevenção: ela se dissemina mais facilmente em áreas de grandes aglomerações de pessoas e de alta concentração de pobreza, onde os ambientes são fechados, sem entrada de luz solar ou circulação de ar. Como no beco onde vive Nice e em praticamente toda a Rocinha.

Esta favela, localizada na zona sul do Rio de Janeiro e com mais de 100.000 moradores, é normalmente apontada por especialistas como um dos principais focos de tuberculose de todo o país: a partir dos casos registrados pela Prefeitura do Rio, possui uma taxa de incidência de 372 casos por 100.000 habitantes, 11 vezes mais alta que a média nacional. Em 2014, o país registrou 68.467 casos (33,8 por 100.000 habitantes), o que o colocou na 17ª posição entre os 22 países que concentram 80% dos casos de tuberculose do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

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