Entidades denunciam na OEA redução da idade penal

Petição de organizações brasileiras acusa Eduardo Cunha de “abuso de poder” na votação e alerta que Brasil pode ser excluído de organismos internacionais de direitos humanos caso mude Constituição.
O Brasil pode ser suspenso de sistemas internacionais de direitos humanos, caso a redução da maioridade penal seja aprovada no país. A afirmação é de entidades brasileiras que protocolaram uma representação contra a mesa diretora da Câmara dos Deputados na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que faz parte da Organização dos Estados Americanos (OEA).

Por Karina Gomes Do O Povo

O documento entregue à relatora sobre os Direitos da Infância da organização, Rosa Maria Ortíz, assinala que as Nações Unidas consideram como “menor” quem tem menos de 18 anos e que, segundo a Constituição brasileira, todos os tratados e convenções internacionais têm peso de lei.

A petição cita o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o deputado federal Arthur César Pereira de Lira (PP/AL), presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, como os responsáveis pelas violações, por “uso e abuso de poder.”

“As regras desses tratados são bastante claras. Não pode um país isoladamente querer reinterpretar as normas internacionais”, argumenta o professor da Faculdade de Educação da USP Roberto da Silva, responsável pela denúncia.Também assinam o documento outras seis organizações, incluindo o Movimento Nacional de Direitos Humanos e a Pastoral do Menor.

De acordo com as entidades, o Congresso desrespeita o artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, que diz que não se pode “suprimir o gozo e exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na convenção” ou “excluir ou limitar o efeito” do ato internacional. O Brasil é signatário da convenção desde 1992. A CIDH ainda não se pronunciou sobre a aceitação ou não da denúncia.

Segundo Silva, se o Brasil abolir, suspender ou restringir os direitos previstos nos tratados internacionais, será necessário comunicar os 192 países signatários do sistema ONU.

“Os países podem aceitar ou não as justificativas brasileiras”, explica. “Este requisito da comunicação pode resultar na suspensão e até exclusão do Brasil de organismos como a OEA, a CIDH e o Tribunal Penal Internacional.”

Violações

A PEC 171/1993, que altera um artigo da Constituição para reduzir a idade penal de 18 para 16 anos, está em tramitação na Câmara dos Deputados e aguarda uma segunda votação antes de seguir para apreciação no Senado.

“Como a PEC ainda não foi aprovada, fiz um apelo dizendo que o Brasil está pedindo socorro à comunidade internacional. O presidente da Câmara [Eduardo Cunha] perde a votação num dia e, no outro, faz uma manobra para aprovar a proposta. É quase um golpe”, afirmou Silva em entrevista à DW Brasil.

A petição ressalta que metade dos deputados é alvo de investigações policiais por diversos crimes. “A ameaça real aos direitos humanos das crianças e dos adolescentes brasileiros consiste em que a Comissão Especial é integrada por 49 deputados federais, sendo a maioria integrante da apelidada ‘bancada da bala’, defensores do endurecimento da legislação repressiva”, diz a denúncia.

Resposta equivocada

O gabinete do deputado Eduardo Cunha disse que desconhece qualquer debate ou discussão sobre a hipótese apresentada e, por isso, não pode se posicionar sobre o assunto. Em resposta à DW Brasil, o gabinete disse que “a maioridade penal em alguns países da Europa é inferior à do Brasil, como por exemplo na Bélgica (12), Suíça (10) e Alemanha (14).”

A informação, no entanto, está errada. As idades que o gabinete de Cunha cita se referem ao início da responsabilidade penal, a partir de quando adolescentes infratores podem ser direcionados a programas de ressocialização no caso do Brasil é aos 12 anos. Já em relação à maioridade penal, a idade fixada na Alemanha é aos 18 anos, podendo se estender até os 21 em alguns casos. Na Bélgica e na Suíça, jovens também podem ir à prisão apenas a partir dos 18 anos.

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