Entrevista com o Professor Doutor José Maia Bezerra Neto – PA

Fonte: Blog da Profª Edilza Fontes

Professor Doutor da Faculdade de História da UFPA, que defendeu a tese de Doutorado na PUC de São Paulo sobre Escravidão e Abolição no Pará.

Profª Edilza Fontes: Professor Maia, neste mês de novembro comemora-se o dia da consciência negra, o que avaliar deste tipo de efeméride?

Professor Maia: A Efeméride é importante como lugar da memória, neste caso a memória das lutas do movimento negro contra o racismo. Mas não apenas celebração, mais que isto, lugar que busca ser espaço de reflexão e de continuidade da luta por um país mais tolerante e justo. Mas é preciso, para ser provocativo, lembrar que as efemérides enquanto lugares da memória são construções sociais, construídas historicamente, daí inclusive seu caráter político-ideológico e, portanto, sua instrumentalização política pelos sujeitos ou movimentos sociais. As efemérides são polissêmicas, isto é, dotadas de mias de uma possibilidade de significados e significações, isto fica muito claro por exemplo quando você estuda os embates e disputas políticas em torno da memória e que fazem memória de si mesmos, tal como, por exemplo, no abolicionismo.

Profª Edilza Fontes: Você sempre estudou a abolição e consequentemente a escravidão, qual o balanço que você faz da historiografia paraense sobre estes dois temas?

Professor Maia: Sobre a escravidão, há ainda poucos trabalhos mais específicos. Temos mais obras de caráter mais geral. Por exemplo, faltam estudos históricos sobre a história/econômica, demográfica, incluindo aí a família, cultural, entre outras, da escravidão, histórias de fôlego, não trabalhos pontuais ou monográficos. Em algumas áreas, como estudo de quilombos e comunidades campesinas negras já há um certo volume de trabalhos, sobre o tráfico negreiro já começam a surgir alguma coisa que trate do tema para além tão-somente do período pombalino, isto é a segunda metade do século XVIII. Mas creio que ainda falta muito, inclusive estudos sobre os africanos escravos e livres no Pará. No meu caso, estudei e estudo ainda, hoje menos, as fugas escravas e ultimamente na tese de doutorado o abolicionismo, compreendendo o abolicionismo no Brasil a partir da província paraense e as lutas aqui desencadeadas contra a escravidão como importantes para se entender a abolição feita no Brasil.

Profª Edilza Fontes: Durante muito tempo vingou a tese que no Pará a escravidão não tinha sido grande ou importante. O que você diz sobre isto?

Professor Maia: Hoje, podemos dizer com segurança que o caminho trilhado por Vicente Salles foi correto quando em seu livro O Negro no Pará, isto no início da década de 1970, já demonstrava a importância da escravidão na região. Depois vieram outros trabalhos que ajudaram de uma forma ou de outra a desmontar a tese de que a escravidão negra foi de pouca importância na região, inclusive no meu livro procuro justamente demonstrar a importância social, demográfica e econômica da escravidão negra no Pará. A tese que advogava a pouca importância da escravidão, desconhecendo-a, não tem empiria, era muito mais uma ideologização, a partir de determinados modelos de análise sobrepostos à realidade tipo uma suposta oposição entre extrativismo e escravidão negra, ou extrativismo versus agricultura, centro versus periferia, para além da idéia equivocada de que sem plantaions, isto é, grandes propriedades monocultoras exportadoras não havia razão de ser dos escravos. Enfim, acho possível dizer que muito mais que uma sociedade com escravos, o Pará foi uma sociedade escravista.

Profª Edilza Fontes: A escravidão no Pará em linha gerais ocorreu de que forma? Ela teve alguma especificidade, como por exemplo, na formação de comunidades quilombolas? Na relação com comunidades indígenas?

Professor Maia: Até a primeira metade do século XIX, creio que a escravidão por aqui ainda tinha muitos indivíduos africanos, nascidos lá. A partir d´então ganhou corpo e densidade o processo de mestiçagem, tanto que na década de 1870 a população africana era reduzidíssima. Tivemos então uma população escrava muito mestiça. Isto se traduz inclusive nos quilombos aqui existentes, o que não é, contudo, algo exclusivo. O mesmo se pode dizer das relações com populações indígenas, nem sempre pacíficas, sobre o que, alias, existem os estudos de Rosa Acevedo, Flávio Gomes e Eurípides Funes, para ficar em alguns exemplos. Por outro lado, a importância da escravidão aqui não estava atrelada à plantation, mas a uma economia agrícola e criatória de gado para o abastecimento ainda que exportadora de alimentos.

Profª Edilza Fontes: Nós tivemos uma escravidão em Belém?

Professor Maia: Sim, escravidão que social,econômica e demograficamente foi importante ao longo do século XIX. Ainda no final do Império, a presença escrava em Belém era mais significativa que em São Paulo, por exemplo, embora se possa dizer São Paulo não era muita coisa por essa época. Mas, apesar de alguns estudos monográficos e avanços com a publicação de alguns artigos, a escravidão urbana em Belém é algo ainda por ser meticulosamente estudado.

Profª Edilza Fontes: A Cabanagem contou ou não com a participação de negros? O que você tem de pesquisa sobre este assunto?

Professor Maia: Sim, a presença negra, de livres, libertos ou escravos aconteceu na Cabanagem. Mas, isto não quer dizer que todos os negros fossem cabanos, havia aqueles que ficavam à margem, ou simplesmente não tomaram parte, ou até mesmo lutaram contra. A própria relação com os ditos líderes
cabanos era problemática para muitas lideranças negras e negros cabanos em suas ousadias na luta pela liberdade. Atualmente tenho me interessado muito em pensar como uma das lideranças cabanas, no pós-cabangem, na condição de senhor de escravos e proprietário rural fez a defesa da escravidão e assumiu posturas conservadoras, no caso o famoso Eduardo Angelim.

Profª Edilza Fontes: Como se deu o movimento abolicionista no Pará? Quem participava deste movimento? A participação do município de Benevides foi importante?

Professor Maia: O movimento abolicionista ganhou importância na década de 1880, como de resto em todo o Brasil. Havia desde sujeitos das elites, como das classes trabalhadoras, passando pelos escravos, tomando parte no abolicionismo. Benevides foi importante no contexto do abolicionismo paraense em função da atuação da Sociedade Libertadora de Benevides, fundada por colonos cearenses. Foram eles que deram o tom mais radical do abolicionismo no Pará, se associando ao movimento de fugas dos escravos, fazendo de Benevides um verdadeiro quilombo abolicionista.

Profª Edilza Fontes: Quais as associações abolicionistas e desde quando elas começaram a defender a abolição no Pará?

Professor Maia: Foram muitas e meteóricas, dado o caráter efêmero de muitas dessas associações, o que não quer dizer que não tenham sido importantes ou ativas. Algumas delas foram muito ativas. A primeira foi, ainda em 1869, a Associação Filantrópica de Emancipação de Escravos, muito marca pelo
emancipacionismo, isto é, a defesa da extinção da escravidão com a indenização dos senhores, de pouco em pouco, aos poucos. Já na década de 1880, surgiram outras, seja ligadas ao universos das elites, seja de natureza mais popular, mas quase sempre envolvendo sujeitos de várias classes e colorações políticas, o que não quer dizer que não houvesse diferenças políticas e de classe entre os emancipadores e abolicionista. Havia também associações de mulheres.

Profª Edilza Fontes: Professor, fale-nos de sua tese de doutorado e em que medida ela inova os estudos historiográficos sobre escravidão e abolição no Pará ?

Professor Maia: A minha tese tem muito do que já foi dito aqui, mas resumindo é sobre as lutas contra a escravidão e os limites conservadores da abolição no Brasil, a partir do Pará. Creio que ela inova e contribui quando demonstra que as lutas contra a escravidão iniciaram ainda em meados do século XIX e como foi preciso ser construído historicamente a crença de que um mundo sem escravidão é possível e que a escravidão é algo inaceitável. No caso do Pará, nunca havia sido escrita uma história do abolicionismo,quando muitos estudos pontuais em capítulos de livros sobre história do Pará, tal como os de Hurley, o que melhor escreveu sobre o tema; antes dele, Arthur Vianna; depois Ernesto Cruz. Acredito que a tese preenche esta lacuna, mas é preciso mais estudos.

Profª Edilza Fontes: É possível fazer pesquisa sobre escravidão e abolição no Pará? Quias são as fontes? Como estão os acervos?

Professor Maia: Sim, com toda certeza. Documentação não falta, os acervos estão aí. Documentos como inventários, testamentos, escrituras, livros de batismos, relatórios e leis, processos crimes e cíveis, jornais de um modo geral, entre outros tantos. Quanto aos acervos, a melhor notícia é o trabalho feito pelo Centro de Memória da Amazônia da UFPA, que está organizando a documentação do judiciário. A documentação do arquivo também muito rica pode ser melhor trabalhada, falta recursos. O importante mesmo é ter recursos públicos para potencializar o acesso aos acervos e se evitar a burocratização do acesso do pesquisador, afinal nós não somos o inimigo dos arquivos, precisamos deles para faze nosso ofício.

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