Entrevista de Cidinha da Silva ao blogue Pernambuco Afro Cultural

Momento de Prosa com a Escritora Cidinha da Silva

Nós que compomos o “Quilombo Virtual” Pernambuco Afro Cultural, temos o prazer inenarrável em prosear com a irrepreensível Cidinha da Silva, que estará em nosso estado no dia 25 de fevereiro do corrente ano, lançando o seu mais novo “feito” O Livro Racismo no Brasil e Afetos Correlatos (Conversê Edições).

P.A.C Para início desta sessão de prosa, como poderemos definir a Cidinha escritora?

C.S… Sou negra e sou escritora, dois estados que me definem no mundo.

P.A.C O que inquietou você a escolher o Título Racismo no Brasil e Afetos Correlatos?

C.S... Boa pergunta (que ainda não tinha sido feita). O racismo no Brasil, diferente de outros países é impregnado de “afetos”. Diferentes, obviamente daquele afeto dirigido a quem amamos, admiramos, queremos bem, mas, o afeto do escravizador lusitano e seus descendentes pelo escravizado e seus descendentes.

Aqui é assim: a mesma pessoa que tece loas a Mandela é incapaz de agradecer o ascensorista (função esdrúxula, aliás, própria de país socialmente hierarquizado como o nosso) ou mesmo uma pessoa que trabalhe no setor de limpeza e faça a gentileza de segurar a porta do elevador para o engravatado, que, por sua vez, sequer enxerga aquela, e por isso não agradece. Ele entende que aquele ser está mesmo ali para servi-lo.

Outro exemplo é o episódio de racismo com o jogador Tinga. Duvido que um jogador mais altivo, brigador, marrento mesmo, mobilizasse tanta solidariedade. É uma solidariedade seletiva direcionada a certo perfil de discriminado. Toda essa coisa do Tinga humilhado, de cabeça baixa, incapaz de explicar ao filho (todos nós somos incapazes) a ignomínia do racismo, enternece o coração das pessoas de bem, aquelas que professam até ter amigos negros que sentam à mesa junto com suas famílias. É só comparar com altivez do Balotelli que chora de olhos abertos, encarando o opressor, dizendo a ele, “você está me matando, mas eu não caio e se cair, caio de pé”. Balotelli não mobiliza a “ternura” do opressor. Além disso, o caso ocorreu fora do Brasil, e existe também um sentimento de repreensão ao estrangeiro (peruano) que o brasileiro médio considera inferior a ele.

Qual é a grande diferença entre Tinga e Balotelli? Entre a reação de um e a reação de outro à atitude de discriminação racial? É o ambiente em que foram criados e as ferramentas que a cada um foi permitido forjar para enfrentá-las. A Itália de Balotelli é abertamente racista, mas não o é mais do que o Brasil, a diferença é a explicitação da coisa, a compreensão que se tem lá, de que o racismo engendra privilégios para quem discrimina, na mesma medida em que subalterniza o outro discriminado.
Tudo isso forma o caldo de cultura dos afetos correlatos ao racismo, trabalhado em múltiplas dimensões neste Racismo no Brasil e afetos correlatos.

P.A.C Diga-nos, qual é impressão que você espera do público leitor, após o contato com a obra Racismo no Brasil e Afetos Correlatos?

C.S... Espero que as pessoas dialoguem com o que escrevi. Que sintam, pensem, que despertem para aspectos da vida e das relações humanas que lhes passavam despercebidos. Espero também que prestem atenção ao meu trabalho de construção de linguagem.

P.A.C Há algum trecho no livro que você admire ou acha mais importante e queira destacar?

C.S… Gosto sempre dos textos em que a poesia grita, como a água que invade um ambiente passando por uma fresta improvável.

P.A.C Dentre os livros que você leu, qual foi marcante a ponto de impactar em seu novo trabalho?

C.S… Olha, impacto neste novo trabalho não consigo definir, mas posso mencionar um livro que impactou minha vida e minha carreira como escritora, Niketche, uma história de poligamia, de Paulina Chiziane. Dois outros livros também admiro muito pelo processo zeloso de construção de linguagem, Cidade de Deus, de Paulo Lins e Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves.

P.A.C Comente sobre sua expectativa do Lançamento do livro na Semana Pré Carnavalesca em Recife/PE?

C.S... Uai, a expectativa é que as pessoas venham para a festa do lançamento, para mim, é sempre uma festa.

P.A.C Qual o cenário/ambiente você escolhe para escrever seus textos? Isso Influencia?

C.S… A maior parte do tempo escrevo em casa (no tempo livre), uso meu computador pessoal. Eventualmente escrevo à mão, principalmente quando estou viajando (falo de escrever um texto inteiro, pois, anotações faço à mão todo o tempo). Mais eventualmente ainda, escrevo alguma coisa no trabalho. Gosto especialmente de trabalhar pela manhã e gosto de silêncio também.

P.A.C Muitos escritores tentam definir a literatura Afro Brasileira, você que produz e dar vida a essa literatura, ou Oraliteratura para alguns, como você a define?

C.S… Não defino, é algo que não me importa. Sou uma mulher negra que escrevo a partir do olhar afrocentrado que me faz enxergar o mundo. Essa é a definição do meu trabalho. O mais é um debate teórico e político que pouco me apraz (também por incompetência, não tenho ferramentas para intervir qualitativamente no tema, então, não gasto vela com defunto morto). Minha função é escrever, eu escrevo e topo discutir o mundo a partir do meu texto. Ademais, me parece que muitas vezes somos iscas de uma armadilha que rouba nosso tempo discutindo conceitos, quando as afirmações necessárias estão no texto, evasivamente deixado de lado. Acho importantíssimo que as pessoas dedicadas à construção da teoria realizem esse debate, não é o meu caso e meu tempo é pouco. Quero utilizá-lo discutindo minha obra.

P.A.C Considerando a criticidade exposta em seus escritos, o que você pretende deixar para Pernambuco com a sua passagem e seu fazer literário?

C.S… Não sei, talvez a lembrança do bom combate travado pela literatura e por meio da literatura.

P.A.C Agradecemos pelo valoroso momento de prosa, desejamos sucesso em seu caminhar literário. Que muitos feitos sejam realizados e que novas páginas sejam revistas nesse cotidiano racista ao qual estamos inseridas e inseridos.

Cidinha da Silva Obrigada, Rosangela.

Rosangela Nascimento (P.A.C) rsrs (risos) O prazer é todo nosso, em ampliarmos o olhar por meio de seus grandiosos escritos!

Fonte: Blog da Cidinha

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