Entrevista de Cidinha da Silva para o Literatura Subversiva

1 – Quando você percebeu que tinha uma relação muito intensa com a escrita ? Quando criança, por meio da leitura. Desde que aprendi a ler, li muito, era a coisa que mais gostava de fazer. Daí para direcionar a energia criativa para a escrita foi um passo.

2 – E a literatura na sua vida, o que ela representa para você ? É meu porto-seguro e meu ponto de contato com o mundo (o mais seguro também).

3 – Conte nos um pouco sobre a sua obra Os nove pentes D’África. O Pentes é uma novela juvenil, pela qual tenho muito carinho. É meu primeiro texto de fôlego maior e o primeiro passo na minha preparação para escrever romances, no futuro próximo. Ele narra a história de Francisco Ayrá e sua família. Ele é um artista da madeira que tem cinco filhos e nove netos. Está morrendo e deixa para cada neto um pente africano que simboliza um valor ou uma virtude, ligados à lenda pessoal de cada recebedor do presente. Há o pente do amor, o pente da alegria, da perseverança, da abundância, da liberdade, dentre outros. Cada pente conta uma história e em toda a trama vivencia-se o amor familiar, a vida e a morte. Tudo costurado pelo tempo. Foi um livro delicioso de escever, me diverti muito.

4 – Você já esta no segundo livro a cada lançamento de uma obra qual é a sensação da escritora ? Para ser precisa, tenho quatro livros publicados. O primeiro é de 2003, um livro de ensaios chamado “ações afirmativas em educação: experiências brasileiras”, está na 3ª edição. O segundo é o “Cada tridente em seu lugar”, de 2006, está na segunda edição. O terceiro, “Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor!”, de 2008 e, “Os nove pentes d’África”, de 2009. A cada livro sinto emoções diferentes, ligadas à história da manufatura de cada um: o Tridente foi um livro catártico, uma experimentação de caminhos. O Tambor foi um livro mais pensado, a experimentação está na linguagem, mais do que na escolha temática. Ele é também um livro bem circunstancial, ou seja, eu tinha consciência de que precisava publicá-lo no momento em que o fiz, do contrário, desistiria de publicá-lo. O Pentes abriu o caminho do entendimento da construção de textos de mais fôlego e me deu também a certeza de que sou capaz de fazê-lo. É, além disso, um livro que dialogou muito com a minha espiritualidade. Pelas respostas de público e de vendas aferidas até o momento, o Pentes será meu campeão no que tange ao alcance de leitores.

os-nove-pentes-da-africa5 – O que você pensa sobre mulher negra, escrita e literatura ? Poxa, que questão ampla. A expectativa da pergunta é que eu articule os três temas? Procurarei fazê-lo para escolher um enfoque e não me perder em divagações. A literatura canônica é pensada como um bem cultural das elites, elite que lê e elite que escreve. As mulheres, no mundo, publicam infinitamente menos do que os homens – não sei se escrevem tão menos assim. Portanto, a literatura não foi pensada para nós, mulheres negras da Diáspora e de África. Em Moçambique, por exemplo, há apenas uma mulher com romances publicados, a divina Paulina Chiziane, uma escritora negra. No Brasil também temos poucas romancistas e, esperadamente, menos romancistas negras, citaria Ana Maria Gonçalves, autora do monumental e premiado “Um defeito de cor”, Conceição Evaristo e Geni Guimarães. Há também uma autora fantástica e muito desconhecida, Ruth Guimarães, que tem mais de 40 livros publicados em seus 84 anos de vida. Alguém disse que escrever é um ato de coragem, somos corajosas, escrevemos, mas publicamos muito pouco e escreveríamos um tratado para abordar os motivos disso. Entretanto, o principal deles, talvez seja o fato de não nos constituirmos, aos olhos das elites brancas, donas do mercado editorial, como seres pensantes e criativos. Aquilo que temos a dizer não encontra ouvidos (olhos) interessados. Nossas particularidades humanas negras não geram interesse editorial, não são tratadas como o particular que fala do humano e é, portanto, universal.

6 – Você acredita que hoje nós mulheres negras estamos conseguindo romper com as idéias sexistas e racistas sobre o papel da mulher na sociedade de modo que a tendência seja surgir inúmeras escritoras, contistas e poetisas afro-brasileiras ? Não sei. Ser escritora é algo complexo, é mais do que escrever, apenas. Falo da literatura como ofício, não como desabafo, denúncia, declaração de amor. Creio que a dimensão mais profissional da literatura, mais comprometida com o apuro da forma, com a experimentação da linguagem, ainda é um campo por conquistar. E essa conquista precisa ser maior do que apenas romper com estereótipos e estigmas racistas e sexistas. Talvez este seja o primeiro passo, mas o tema é complexo, exige mais.

7 – O público quer saber se existem projetos afro-literarios para este ano como publicação de livros, poesias e contos ? Eu não escrevo poemas para publicação, pois sinto que minha prosa tem mais vigor artístico do que os poemas. Embora tenha falado muito da escrita do romance na resposta a uma questão anterior, não o considero mais difícil de fazer do que um poema, um bom poema. A poesia está na vida e todos nós podemos percebê-la, comentá-la, louvá-la, criar a partir dela. Escrever poemas é dar forma à poesia e isso, acho dificílimo de alcançar. Tenho um romance infanto-juvenil pronto, em busca de editora. Na melhor das hipóteses ele sairá no final de 2010, na hipótese menos otimista, no primeiro semestre de 2011. Estou trabalhando num pequeno livro de crônicas para a coleção Selo Povo, da editora Literatura Marginal. Segundo meu editor, o escritor Ferréz, o livro sairá até o final de 2010.

Fonte: Blog da Cidinha

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