A designer baiana criou um projeto com o adereço e está entre as mulheres negras mais influentes do país
Por Victor Villarpando Do Correio24Horas
Se o turbante é uma coroa, Thaís Muniz fabrica realeza. A baiana de 28 anos criou o projeto Turbante.se (www.turbante.se), que desde 2011 trabalha com as formas, usos e significados do acessório e seu lugar de militância e empoderamento de pessoas negras. Em 2014, foi eleita uma das mulheres negras mais influentes do Brasil pelo site Blogueiras Negras, com participação de mais de 1.400 leitoras.
Feirense radicada em Salvador, mas morando em Dublin, na Irlanda, há um ano, já fez mais de 10 workshops pela Europa e uma série de intervenções urbanas no centro da cidade. Saiba um pouco do que se passa nessa altiva e adornada cabeça.
Como começou na moda?
Sempre me interessei por criatividade e há 11 anos quis ser estilista. Fiz design de moda, mas a moda foi perdendo o brilho pra mim. Me interessei por trabalhar estética, antropologia e cultura, aliados ao design como um todo. Fui estudar direção de arte e cool hunting em Buenos Aires e a partir daí passei a entender que preferia estar no lugar de designer, criadora, diretora criativa capaz de conduzir minhas ideias, conceitos e estéticas em diferentes plataformas que não eram necessariamente a roupa.
E com os turbantes?
Foi num momento em que eu nem trabalhava com moda mesmo, era gestora de conteúdo e produtora de um programa de TV e de uma revista de design, arquitetura e arte. Sempre gostei de garimpar estampas. Comprava tecidos para fazer minhas roupas e nunca fazia. Comecei a usá-los na cabeça.
Cada vez que eu saía de turbante, mulheres de diferentes idades vinham falar comigo, queriam saber como fazia. Isso se tornou muito frequente. As pessoas começaram a sugerir que eu fizesse um workshop. Fiz o primeiro e comecei a pesquisar.
Me apaixonei pela história e possibilidade de empoderar mulheres, especialmente negras, através da estética. Entendi os turbantes como minha forma de militar política e esteticamente contra o racismo. Como um trabalho capaz de reconectar raízes.
Do que mais gosta no trabalho?
Ver o sorriso das mulheres quando se olham no espelho. Gosto dessa troca e do estímulo visual. Cada foto que tiram no meio dos workshops me faz feliz. Significa que estão se sentindo mais bonitas. Também gosto de perceber como aprendi e continuo aprendendo mais sobre minha ancestralidade e inúmeras culturas no mundo, sinto que tenho evoluído como mulher e como mulher negra. Meu objetivo atual é começar a gravar uma série de documentários sobre a história dos turbantes no mundo.
O que rola além de workshops?
O Turbante.se me possibilita contar muitas histórias. Estou realizando uma série de intervenções urbanas, chamada Tráfico de Influência, que visa, com turbantes, ressignificar a personalidade de estátuas e monumentos ao redor do mundo para recriar memórias adormecidas e contar histórias e costumes da minha gente que a sociedade esqueceu ou nunca ouviu falar. É uma oportunidade de refletir sobre onde estão as estátuas desses personagens da cultura negra.
Por que está em Dublin?
Foi um mix de semestre sabático e necessidade de ter o inglês fluente. Vim passar um semestre e quero ficar mais. Tenho desenvolvido minhas relações de trabalho e expandido isso para outros países. Encontrei aqui um estilo de vida que me satisfaz. Não preciso ter um carro pra me locomover. Uso minha bicicleta, olho o horário do ônibus pelo celular. Não me sinto assaltada ao ir às compras. Me sinto mais respeitada como cidadã.
O trabalho continua no Brasil?
Sem dúvidas! Uma equipe ponta firme representa o Turbante.se quando não estou. Eu continuo gerando conteúdo para a plataforma, gerindo a expansão e os próximos passos, garimpando as estampas, ajeitando a loja online… A Bahia é fundamental pra mim e pro meu trabalho. São as raízes que me têm feito voar. Pretendo ir em setembro pra começar a pré-produzir o primeiro doc da série.
Acha que há apropriação de símbolos de negritude por brancos?
Sem dúvida. O tempo todo. Por conta da apropriação cultural muita gente acredita que Elvis Presley é o pai do rock, e não Chuck Berry. Ou veem Carmen Miranda como maior referência do turbante.
Nos workshops, gosto de falar da história. É fundamental falar de Dete Lima e do Ilê Aiyê, Negra Jhô, Ana Célia Santos, Makota Valdina… Apropriação cultural sempre aconteceu. Ninguém de pele branca passa pelas situações amargas que nós negros passamos diariamente, então não é justo que tomem parte apenas do lado doce e inventivo da cultura negra.
A moda está mais inclusiva?
Não. Acho que a internet é a ferramenta de inclusão e revolução. A exclusão, a apropriação e o racismo agora são mais facilmente denunciados. Mais opiniões são formadas a partir das vivências e pontos de vista dos nossos semelhantes. Temos mais facilidade de difundir nossos trabalhos, de fotografar editoriais com negrxs, gordxs, o que quisermos. Geramos resultados tão bons que o mainstream absorve e se sente na obrigação ou é cobrado a nos incluir. Nós é que estamos conseguindo nos incluir mais. É um movimento reverso.