A pesquisadora Cristian Sales apresenta-nos em sua dissertação intitulada Composições e recomposições: O corpo feminino negro na Poesia de Miriam Alves (UNEB- Mestrado em Linguagens, 2011) considerações muito importantes sobre a literatura feminina negra no Brasil.
Nos últimos anos, pesquisadores negros e negras têm produzido fartos textos sobre a escrita afrodescendente.
Cristian defendeu alguns pontos, que nos permitem perceber certas especificidades da literatura negra e da poesia elaborada por mulheres negras.
Em sua defesa de um cânone estigmatizador, a Teoria Literária tradicional não tem sido suficiente para compreender autores e autoras da contemporaneidade. E as novas perspectivas de leitura permitem óticas diferenciadas sobre autores e autoras do passado.
Leitores da literatura produzida por negros e negras estão a nos oferecer essas outras possibilidades de interpretação também.
Segundo Cristian, a mulher negra se apropria discursivamente do corpo (feminino) e lida com suas configurações pejorativas”.
Haveria, de certo modo, por parte da leitora/pesquisadora uma apropriação também discursiva, igualmente reavaliadora da presença da mulher negra.
O seu depoimento a respeito da importância dos Cadernos Negros (mais em:http://www.quilombhoje.com.br/) como principal veículo de divilgação de contos e poemas produzidos por autores e autoras afrodescendentes faz avultar essa realidade às vezes pouco salientadas até pelos leitores assíduos dos Cadernos.
Essa publicação é a mais longeva e influente da Literatura Brasileira em geral, tendo o apoio há três décadas basicamente apenas de seus próprios colaboradores. Foi através deles que Cristian conheceu a literatura negra, especialmente a poesia de Miriam Alves, suas perspectivas internas, sensibilidades semelhantes às suas.
Conforme seu pensamento, a literatura feminina afrodescendente usa a auto representação como recurso de linguagem, aproximação e de laços, constrói novos sentidos e significações, elabora autoimagem positiva, interessada em questionar as representações negativas, desmistificar estereótipos raciais e sexuais. A voz negra atua em “ritmo ofegante”, como “se no exato instante em que as letras vão se juntando para formar as expressões, antes presas e silenciadas pelas condições históricas, todas elas desejassem se libertar ao mesmo tempo”.
Excelente o avistar do corpo refeito e reimaginado em imagens como vulto, fumaça, fragmentos e retalhos (como diz-nos em outra leitura a escritora Maria Nazareth Fonseca:http://www.ich.pucminas.br/posletras/Poesia%20afro-brasileira.doc).
Os vários pedaços da “retórica de detalhes” como vozes das mulheres afrodescendentes em diferentes tempos e histórias, visão muito aguçada sobre a questão. Para a pesquisadora, Miriam Alves ziguezagueia “entre o fluxo cintilante da produção poética afrobrasileira e uma radiografia real do nosso cotidiano”. Verifiquemos essa proposição de Cristian e nos convidemos a conhecer e divulgar seu texto motivados pela fruição da poesia que segue:
EU MULHER EM LUTA
Miriam Alves
enluto-me e o poema sai assim
meio mágoa
meio lágrima
meio torto
toda lança
enluto-me por aquelas vindas no arrastão atlântico
enluto-me ao ver dilacerar pele, corpo e mente
eu mulher em luta
combato o ócio de quem não vê
no silêncio das casas os estupros-menina
cotidianamente
eu enluto
toda mágoa
toda dor
toda lágrima
enrijeço-me sob o toque domador
marcando o desejo
sou toda combate toda força
eu mulher em toques no teclado
faço das luzes da tela meu alento
alimento em palavras
o meu desejo pleno de ser
e vou tiquetaqueando retirando das vogais sons
palavras e imagens
tamborilando mensagem vou
Cadernos Negros Volume 33
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