Estudantes de SP que começaram a trabalhar durante a pandemia não conseguem voltar à escola

Na primeira semana de volta às aulas sem distanciamento, 85% de estudantes da rede estadual compareceram. Alunos precisaram começar a trabalhar e não conseguem participar das aulas.

“Ou comida na mesa, ou estudar. É complicado. É muito complicado”, diz a estudante Wydny Rayssa Silva Santos, de 17 anos. A estudante do 3º ano do Ensino Médio em uma escola da rede estadual de São Paulo não consegue mais assistir às aulas.

Durante o ano, ela conseguiu acompanhar as aulas online. Mas, desde a última quarta-feira (3), o retorno presencial é obrigatório. Como ela teve que começar a trabalhar para ajudar os pais, que ficaram desempregados durante a pandemia, não consegue voltar a frequentar a escola.

“Meu pai era autônomo. Ele era pessoa que trabalhava na rua, vendia bebida. Minha mãe vendia lingerie, só que ela parou porque o dinheiro não dava mais pra comprar e vender”, explica Rayssa.

Ela trabalha como garçonete em um restaurante na Zona Sul da capital paulista. Para iniciar o trajeto de dois ônibus mais uma curta caminhada até o trabalho, ela sai de casa às 10h30.

“Nesse horário eu estaria na escola, provavelmente teria acabado de terminar o intervalo e estaria indo pra minha quinta aula”, lembra a estudante.

Segundo a Secretaria Estadual de Educação, 85% dos alunos compareceram às aulas nesta primeira semana de retorno de todas as escolas estaduais sem a necessidade de distanciamento social — portanto, sem rodízio de alunos. O retorno presencial era obrigatório desde o dia 18 de outubro, mas como o distanciamento de 1 metro entre as carteiras ainda era necessário, apenas 24% das escolas tinha conseguido retornar sem o rodízio.

O estudante Pedro Henrique Gavioli, de 18 anos, também precisou trocar a escola por um trabalho em período integral. O estudante do 3º ano do Ensino Médio trabalha como vendedor em uma loja que vende açaí. Ele sai de casa às 9h e só chega de volta às 21h. “Com certeza se eu pudesse escolher voltar para a escola, eu realmente gostaria de voltar e acabar meus estudos do jeito de qualquer aluno normal”, diz ele.

O jovem é responsável por 70% da renda da família. Ele é o mais velho de três irmãos, e a mãe — que atuava como cabeleireira e sempre foi a única fonte de renda da casa — ficou desempregada durante a pandemia. “A gente hoje em dia não tem muita opção. Tem que ver o que é necessidade, o que é prioridade. E eu vejo hoje que o meu serviço é uma prioridade”, afirma Pedro.

Quando as aulas aconteciam de forma remota, tanto Pedro quanto Rayssa afirmam que conseguiam acompanhá-las em seus momentos de intervalo. “Nunca deixei de entregar um trabalho”, diz Pedro. Apesar de não conseguirem assistir às aulas presenciais, os dois estudantes se informam com colegas de classe e seguem entregando, de casa, as atividades propostas pelos professores, na esperança de conseguir concluir o ano letivo e terminarem o Ensino Médio ainda neste ano.

Apenas em alguns casos os alunos ainda estão liberados para continuar no ensino remoto: gestantes e puérperas, pessoas com comorbidades que não tenham completado o ciclo vacinal, e menores de 12 anos que pertencem a grupos de risco para a covid-19.

Pedro afirma que tentou conseguir o auxílio do programa Bolsa do Povo Educação, do Governo de São Paulo, mas que, nas três vezes em que entrou na plataforma, um aviso aparece informando que ele não se encontra no grupo preferencial para receber o auxílio.

“Mesmo que eu conseguisse e ficasse com a bolsa, eu ia optar por continuar no meu trabalho. O valor mensal da bolsa não é nem 20% do meu salário”, explica o estudante. O programa oferece até R$1 mil por ano letivo para estudantes da rede estadual inscritos no Cadastro Único (CadÚnico), nas linhas de pobreza e de extrema pobreza.

A Secretaria de Educação afirma que a rede estadual está fazendo o máximo possível para evitar a evasão escolar. Entre as ações, estão aulas de reforço presenciais que foram oferecidas em janeiro e em julho, e também o lançamento do programa Bolsa do Povo Educação.

A pasta também afirma que ainda não é possível relacionar os 15% de faltosos nesta semana, necessariamente, com evasão escolar. A frequência nos alunos na próxima semana deve dar uma medida mais exata da quantidade de estudantes que abandonaram as escolas.

+ sobre o tema

O racismo como polêmica escolar

ERICA BARBOSA BAIA FERNANDA MARQUES DE ALMEIDAROSIANE MACHADO...

MEC cria ‘Enem’ para professores

Primeira prova deverá ser realizada em 2011. Participação de...

Núcleo da UNEB oferece curso sobre história e culturas africanas e afro-brasileira

O Núcleo de Estudos Africanos e Afro-brasileiros em...

Estudantes negros são menos de 10% nas universidades federais

Em 2003, pesquisa mostrava que taxa não chegava a...

para lembrar

A marca da desigualdade, por César Felício

Uma análise aleatória das eleições nos mais variados países...

Procuradora defende esforço para diminuir desigualdade nas empresas

Elisiane dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, diz...

Negacionismo matou e falta de medidas no Brasil foi letal, diz investigação 

A maior avaliação já feita sobre a resposta global...

Práticas educacionais: crescimento versus redução da desigualdade social

Introdução: Este trabalho, que tem como tema, desigualdade social e...
spot_imgspot_img

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz um levantamento da cobertura vegetal na maior metrópole do Brasil e revela os contrastes entre...

Estudo mostra que escolas com mais alunos negros têm piores estruturas

As escolas públicas de educação básica com alunos majoritariamente negros têm piores infraestruturas de ensino comparadas a unidades educacionais com maioria de estudantes brancos....

Quase metade das crianças até 5 anos vivia na pobreza em 2022, diz IBGE

Quase metade das crianças de zero a cinco anos vivia em situação de pobreza no Brasil em 2022, de acordo com dados divulgados nesta terça-feira (9) pelo IBGE (Instituto Brasileiro...
-+=