Estudantes sem água e sem banheiro 

Os indicadores escancaram as desigualdades no acesso ao saneamento, água, esgoto e banheiros nas unidades educacionais. E afetam, sobretudo, as crianças, adolescentes e jovens negros, fragilizando a saúde e prejudicando sua trajetória escolar

O Brasil é uma das 10 maiores economias do mundo. Ao mesmo tempo, figura na lista dos 15 países mais desiguais do globo. Essa contradição é refletida em indicadores socioeconômicos como os que apontam que cerca de 1,4 milhão de estudantes estão matriculados em escolas sem água potável e 440 mil em escolas sem banheiro. 

Essa trágica realidade é ainda mais perversa ao constatarmos que esses números afetam de maneira desproporcional estudantes brancos e negros. Nas escolas com maioria de alunos negros, o acesso a serviços de água e saneamento é mais precário em comparação com as escolas onde predominam os alunos brancos. A incidência de falta de banheiro em escolas predominantemente negras é três vezes maior do que em escolas de predominância branca. 

Além da ausência de água potável ou banheiro, outro fator que impacta a saúde das crianças e adolescentes é a falta de acesso à rede pública de esgoto: 46% das escolas predominantemente negras (ou seja, com mais de 60% dos alunos declarados como negros) não o têm, enquanto o percentual é de 14% para as brancas. É muita desigualdade. 

Quando um aluno negro está matriculado em uma escola predominantemente branca, é maior a chance de ele estar numa das escolas mais precárias nessa categoria. Na outra ponta, quando um estudante branco se encontra matriculado em uma unidade de ensino predominantemente negra, é maior a probabilidade de essa escola estar entre as melhores desse grupo.

Esses dados são parte de um levantamento recente do Instituto Água e Saneamento (IAS) em parceria com o Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), com dados do Censo Escolar de 2023 realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O estudo mostra como o acesso à água e  ao saneamento nas escolas brasileiras é uma faceta invisibilizada das desigualdades raciais na educação básica. 

As disparidades regionais em um país continental como o Brasil também ficam evidentes no estudo. Na região Norte, 84,4% dos estudantes negros e 43,1% dos brancos estudam em escolas sem algum serviço de água e saneamento — água potável, coleta de lixo, esgoto, banheiro ou conexão à rede pública de água —; enquanto que, na Região Sudeste, esses números caem para 12,5% e 5,6%, respectivamente. 

Esses indicadores escancaram as desigualdades no acesso ao saneamento, água, esgoto e banheiros nas unidades educacionais. E afetam, sobretudo, as crianças, os adolescentes e os jovens negros, fragilizando a saúde e prejudicando sua trajetória escolar já marcada por outros indicadores de desigualdades, como taxas mais altas de distorção idade-série e maior frequência nas turmas da Educação de Jovens e Adultos, se comparados a estudantes brancos. 

É inaceitável que um estudante tenha que frequentar uma escola sem a possibilidade de ir ao banheiro ou beber água potável. Tal situação pode ter grande impacto na saúde, autoestima e desempenho escolar desse aluno. A sociedade brasileira não pode normalizar uma situação dessas e naturalizar as desigualdades.

O estudo evidencia o racismo sistêmico e histórico que permeia todas as instituições e impactam a infraestrutura escolar. E ainda revela a dimensão do desafio que nossa sociedade enfrenta para oferecer uma educação com equidade a todas as crianças, adolescentes e jovens no Brasil, uma vez que a ausência do acesso a esses direitos humanos fundamentais impacta diretamente na aprendizagem e perpetua desigualdades ao longo da vida. 

Para reverter esse quadro desolador, é necessário que gestores e especialistas do campo da educação elaborem políticas públicas educacionais, com devido financiamento, focalizados nas escolas com infraestrutura mais precária, com um olhar para a equidade racial. Companhias de saneamento podem, também, priorizar áreas onde estão as escolas mais deficitárias nas cidades para ampliação das redes públicas de atendimento. A garantia de condições dignas de escolarização para todos os estudantes é imperativo moral, urgente e incontornável para alcançarmos o patamar civilizatório em linha com a grandeza econômica do Brasil. Para atingi-la, o caminho é da equidade, financiando com prioridade as escolas mais vulneráveis, onde predominam estudantes negros e indígenas.


Cristina Lopes — Diretora-executiva do Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra)

Eduardo Caetano — Coordenador de Conhecimento e Difusão do Instituto Água e Saneamento (IAS)

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