Estudo aponta racismo e violência contra minorias em ações das polícias do Brasil e EUA

As Polícias do Brasil e Estados Unidos guardam uma semelhança: ambas são violentas e atuam com alvos prioritários, baseados em critérios racistas e contra minorias. Este é o resultado de um estudo apresentado na USP na semana passada. A Sputnik foi investigar os resultados alcançados pelos pesquisadores.

Do Sputnik 

Foto: AP Photo / Leo Correa

A autora do levantamento é a especialista em violência policial e professora da Tulane University (localizada em Nova Orleáns, estado com grande população negra), Martha Huggins. Huggins acredita que em ambos os países — Brasil e EUA — a ação violenta da polícia ganha legitimidade pelos governos.

Aprofundando a questão, o coordenador do Observatório de Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais — grupo de pesquisa credenciado ao CNPq que gera dados próprios através de análises individuais e coletivas — Adalmir Leonídio acredita que os motivos para a alegada seletividade policial tem raízes históricas: começa com o processo de independência do Haiti, liderada por escravos, que gerou pânico na elite escravocrata brasileira que temia ver o negro “invadindo a casa, estuprando esposas e matando filhos”, nas palavras do pesquiador.

Leonídio vê evidências desse viés na rapidez com que foi criado o primeiro Código de Processo Penal brasileiro, logo após a independência. Segundo ele, nossa herança histórica deixou uma herança de estigma e racismo que ajudam a explicar a ação das polícias hoje.

“Do nosso ponto de vista não existe o crime, existe a produção do criminoso. E ela passa por este componente fundamental que é o estereótipo do potencial criminoso, aquele que é o o alvo preferido das ações penais, da perseguição da Justiça e da polícia. Estes critérios são importantes [para entender a] a seletividade penal que se exerce sobre estes supostos crimes”, avalia o pesquisador.

Adalmir diz ainda que as polícias americana e brasileira guardam semelhanças na letalidade e no racismo de suas ações, mas que é preciso pontuar diferenças: enquanto no Brasil, negros são o alvo mais frequente, nos EUA a ação se concentra nos guetos (que muitas vezes também abrigam latinos, ainda que brancos), tornando a polícia de lá mais direcionada para a vigilância e criminalização da pobreza. Ele também pontua que a letalidade da nossa polícia é muito maior.

“No Brasil, foram mais de 5 mil pessoas assassinadas pela polícia só no ano passado. Só no estado de São Paulo foram 970, quase 1/5 do total”, analisa, dizendo ainda que a riqueza de SP em comparação com outros estados pode evidenciar a correlação entre a letalidade policial e a preocupação de controlar e assegurar a propriedade.

Ex-policial faz mea culpa e assume: ‘dados guardam reflexo de ódio de classes’

Ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro — o segundo maior cargo na hierarquia da corporação — e atual pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Robson Rodrigues reconhece a brutalidade na forma como policiais atuam em todo o Brasil.

Para Rodrigues, os números de mortes refletem “um ódio de classes, sobretudo em relação às [classes] mais pobres”. Ele também vê o componente cultural em relação a negros e responsabiliza o mau treinamento dos oficiais como fatores que contribuem para que mais jovens homens, negros e pobres — a principal vítima da violência policial de acordo com o Atlas da Violência 2018 — continuem morrendo.

“A polícia brasileira é uma das mais violentas do mundo e sofre com isso porque ao se instrumentalizar o desvio de papel para este conflito, se torna também uma das que mais morre. Este é o resultado de uma sociedade violenta e que segrega, com índices de concentração de renda absurdos e uma injustiça social tremenda. A Polícia é um braço do Estado e um reflexo direto da forma como este Estado acaba tratando essas populações”, assume.

Rodrigues também avalia que há uma “orientação emocional na crença de que a morte de criminosos vai resolver o problema” da segurança pública. “Não resolveu e não vai resolver. Para quebrar isso precisa de clareza e direcionamento políticos, coisas que hoje não vemos no nosso país”, cobra.

O ex-policial afirma ainda que, muitas vezes, a ineficiência na condução de políticas públicas como acesso à saúde e à educação influenciam nos indicadores. “Os setores mais violentados acabam sendo os da população pobre: o homem, negro, jovem. Precisamos reverter esses números para esse público mais vulnerável e para isso é necessário rever todo o nosso comportamento social e cultural”, defende.

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