Nas escolas, estudantes pretos tendem a ser mais mal avaliados por professores brancos, mesmo quando possuem desempenho similar ao de seus colegas brancos. É o que revela um estudo da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP, realizado com dados das turmas de ensino médio da rede estadual de Minas Gerais. Levando em conta variáveis como gênero, condição socioeconômica e desempenho em anos anteriores, o estudo concluiu que existe uma distância de 10,9% entre as notas de estudantes pretos e brancos de uma mesma turma que pode ser diretamente atribuída a um viés racial do professor. Entre brancos e pardos, porém, não foi demonstrada uma diferença significativa.
As disparidades acontecem apenas em turmas lecionadas por professores brancos. Entretanto, alguns fatores podem servir para aplainar essa distância porcentual. “Eu separo um pouco pela escola e aí eu vejo que em escolas que eu tenho professores brancos e negros de matemática, esse viés também não é significativo. Ele só é estatisticamente significativo entre professores brancos em escolas que só tem professores brancos de matemática”, explica a pesquisadora Júlia Batista, enfatizando a importância de um corpo docente diverso. Quando o professor já conhece o estudante de anos anteriores, a tendência também é do viés ser atenuado.
O estudo compõe a dissertação de mestrado que foi apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia da FEA, desenvolvida sob orientação do professor Ricardo Madeira. Para averiguar a proficiência real dos estudantes do terceiro ano do ensino médio, a pesquisadora comparou as notas em sala de aula, especificamente de matemática, com a performance no Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica (Proeb) na mesma disciplina. As provas da avaliação externa funcionam como um “teste cego”, pois são corrigidas por máquina a partir de um gabarito.
“Um dos motivos de usar matemática é porque é um tipo de disciplina que é mais objetiva, então é mais ‘certo e errado’ do que português, por exemplo, que se poderia considerar mais coisas na hora de avaliar. A gente sabe que o currículo da rede é o que determina tanto como vai ser a avaliação do estado, a avaliação externa, quanto o que o professor vai estar dando em sala de aula”, afirma a economista.
“[A nota] é uma sinalização do quanto o aluno está aprendendo”, ela reflete, “e existe essa questão de que essa desigualdade vai afetar também resultados futuros, porque essa avaliação enviesada do professor pode ter um impacto na autoconfiança do aluno, no quanto ele se sente motivado, na escolha de carreira que ele vai fazer, porque se ele acha que ele não é bom o suficiente em matemática, talvez ele não escolha uma carreira, um curso que dependa muito disso, por exemplo”.

Batista pontua que o objetivo de sua pesquisa não foi fazer um juízo sobre se os professores são preconceituosos e discriminam seus estudantes, mas apontar, com evidências, a existência de um viés racial na avaliação.
A escolha de estudar o Estado de Minas Gerais, ela conta, se deu tanto pela disponibilidade de dados quanto pelo perfil racial de seus estudantes. “Minas é bem interessante de observar nesse quesito porque tem uma diversidade racial bem grande [dentro da rede estadual de ensino]. Inclusive, lá, o porcentual de [matriculados no ensino médio] autodeclarados pretos é maior do que o que a gente vê na média nacional”, afirma a pesquisadora.
De acordo com dados do Censo Escolar de 2022 mencionados no estudo, das matrículas no ensino médio do estado, 34,3% são de estudantes autodeclarados brancos (mesma proporção que no Brasil em geral), 48,3% são de pardos e 6,8% são de pretos. Em comparação, no País como um todo, são 37,6% estudantes autodeclarados pardos e 3,7% pretos.
A pesquisadora conseguiu acesso aos boletins escolares e às notas dos alunos nas provas do Proeb por meio do Instituto Unibanco, parceiro da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG). Já para trabalhar com os dados do Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ela se utilizou de uma das salas seguras do Serviço de Acesso a Dados Protegidos (Sedap). Os dados são sigilosos e só podem ser acessados mediante autorização do instituto. “Tem um computador que é totalmente desconectado do restante do mundo, não tem acesso à internet, eu não posso entrar com papel, nada, dentro da sala”, conta.