Eu nos quero vivos

Quando eu era criança minha mãe me definia como curiosa, acho que foi o adjetivo que ela encontrou para descrever alguém que queria saber demais. Na verdade eu só busco encontrar um sentido nas coisas, sempre – talvez seja aí que eu fracasse, vai saber.

De qualquer forma, depois de dias sem conseguir dizer nada – eu não conseguia respirar – ouvi por aí que agora George Floyd se tornou um mártir.

Em 2018, aqui no Brasil, foi Marielle
Três tiros na cabeça
Mártir.

Essa palavra fez algo vivo revirar dentro de mim. Não está certo.

Por que mártires? Para que? A serviço de quem?
A quem beneficia tirar o horror da morte dos nossos corpos e reduzi-los a mártires? Ser mártir justifica uma morte nossa que não tem sentido. É o puro horror daquilo que não cabe em nenhuma categorização porque não tem que caber. Tem que acabar.

Eu não quero que a gente, e só a gente, continue pagando esse preço caro demais.

E mais quantos? Ou até quando?

Por que só morrendo nossos corpos são corpos e nossa dor é ouvida?

Por que a engrenagem só gira quando morremos? Por que não dá para ouvir o que a gente diz quando vivos?

Por que que a gente precisa continuar morrendo o tempo todo para cabermos nesse discurso (ou virarmos tela preta na rede social)?

Por que a nossa palavra viva também não pode se tornar potência viva e produzir rupturas que nos mantenham, assim, vivos.

Há anos me faço perguntas difíceis demais para responder. Talvez essa seja a minha forma de poder manter alguma coisa minha viva.

Ainda resta um medo violento de quando eu vou ser a próxima, e quem vai ser o próximo depois de mim, e depois, e depois. Até não sobrar nenhum.

Eu não quero ser um mártir. Eu nos quero vivos.

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